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As recentes pesquisas que entregaram Sérgio Moro com mais de 11%, publicadas nos últimos 3 dias, detonam um processo de entropia na base de apoio bolsonarista e pânico geral na torre de comando presidencial. Fragilizado como nunca dantes, o presidente vê prognósticos econômicos lamentáveis — de recessão em ano eleitoral até inflação na casa dos 10% — e consequências políticas ainda piores.
Perceba, nobre amigo: a definição de Moro como “candidato da terceira via”, ainda que prematura, elimina do caminho não apenas a sombra de Ciro Gomes, alternativa confusa que não sabe onde buscar seu eleitor. É tiro de morte, sobretudo, no confuso ninho do tucanato, que passou os últimos dias em engenhoso suicídio político nas ridículas prévias que resolveram organizar.
Eliminados os concorrentes diretos, Moro parte em busca do presidente, absorvendo, de início, um público escolarizado e de classe média que já desembarcou de Bolsonaro faz tempo. É eleitorado grande o suficiente para aproximá-lo dos 15%, até que este nicho se sature e o ex-juiz inicie, ajudado pela crise, uma lenta e constante invasão dos feudos eleitorais do presidente.
Nesse sentido, é importante perceber as movimentações dos aliados de Bolsonaro — para fora do parlamento —, que protagonizaram uma constrangedora defesa de seus atos antidemocráticos e suas aventuras de cloroquina. De Luciano Hang até a Faria Lima, o que se vê é um desembarque calculado, gradual, planejado. Um abandono sinuoso, com suas idas e vindas ao sabor da maré das redes; um sair de casa e não mais voltar, como pais que vão comprar cigarro e nunca mais regressam.
O movimento destes agentes, profissionais do adesismo, serve de vanguarda para um processo ainda mais profundo que se desenha nas entranhas da sociedade brasileira. É a conversão de fatias inteiras do eleitorado do presidente — evangélicos, moradores de pequenas cidades, mulheres anti-petistas — que tem em Bolsonaro uma cada vez mais precária alternativa ao ainda favorito ex-presidente Lula.
Ainda alheia ao debate eleitoral, esta massa de eleitores sofre na pele os efeitos da crise, e cultiva seu desencanto na base do silêncio e do desengajamento. É questão de tempo até se manifeste, tendo no próximo da fila — Sérgio Moro — um nome, em tese, natural para a substituição de Bolsonaro como alternativa. Digo em tese, com ressalvas, pois o juiz ainda não entregou respostas significativas em áreas como recuperação econômica e políticas sociais. Mais: não é percebido automáticamente como alguém que resolva tais problemas, posto que se identifica, antes de tudo, com a bandeira do combate à corrupção — e não muito mais do que isso.
Bolsonaro, imagina este colunista, sabe de tais dificuldades, mas ainda não virou seus canhões para Sérgio Moro. Ainda que o noticiário nos de conta que Carluxo invocou o “gabinete do ódio”, nada de substancial foi feito até o momento; mesmo a Jovem Pan e seus influenciadores não aumentaram a intensidade dos ataques, denotando uma ausência de comando e talvez estratégia por parte do planalto.
Emparedar Sérgio Moro com acusações seria o caminho natural para que o ex-juiz se perca na própria defesa; o jogo manda que o ataque lhe retire o fôlego para se construir como alguém que tenha respostas para a crise que vivemos. Nisso, deverão ser auxiliados pelo petismo: é impossível que a candidatura Lula simplesmente ignore os recentes movimentos do ex-magistrado; o petista terá, em algum momento, que ceder ao embate.
Caso tenham sucesso na blindagem, Lula e Bolsonaro manterão Moro preso nos 15% já citados, e evitam seu crescimento para além da região sul e dos centros mais desenvolvidos; caso percam, verão uma forte transferência de votos do atual presidente para seu antigo ministro. É jogo duro, sem prognóstico fácil, a depender ainda do engajamento de setores do judiciário e da tenacidade de João Doria, que não irá desistir de seu sonho presidencial sem luta nos próximos meses.
É fácil prever uma aliança entre forças tão díspares para retirar o ex-juiz da jogada, ainda mais quando sabemos que sua candidatura tem um papel tão decisivo sobre as demais. Em poucos meses, Moro pode decretar o fim de duas candidaturas importantes (a tucana e a de Ciro Gomes) e ferir mortalmente a pretensão de Bolsonaro.
Havendo sucesso, o ex-juiz pode redesenhar não apenas o cenário eleitoral, mas também a estrutura do debate público brasileiro: se romper a barreira dos 15%, Moro se firmará como polo oposto ao de Lula, escanteando Bolsonaro, roubando parte de seus influenciadores e devolvendo o Brasil para o modelo de embate dos anos de 2015 a 2017, quando era a Lava Jato e a nova direita — independente do bolsolavismo — a confrontar o petismo nas ruas e nas redes.