Este Bolsonaro que se esconde na cadeira presidencial, grunhindo raivosamente, é figura triste a ser analisada. Sei que os amigos dos comentários, acostumados a me insultar, repetirão o expediente. “Ditadores são os governadores!”, dirão, posto que estes seguiram os padrões das demais democracias ocidentais. Mas vamos dissecar, mais uma vez, o infeliz momento em que vivemos. E entender, desatando nós, este emaranhado confuso que se tornou a política nacional.
Comecemos pelo óbvio: a intenção golpista do presidente se fez presente na tomada de comando do ministério da defesa e na demissão, nem um pouco pacífica, dos chefes das Forças Armadas. O xis da questão — uma eventual intervenção nos estados da federação — era a risca de giz a ser traçada que separaria o alto clero das Forças Armadas do baixo clero que governa o país.
O ex-ministro da defesa, bem como os comandantes da burocracia militar, deixaram manifesta a ideia de que as Forças Armadas são instituições de Estado, e não de governo. De forma tácita, reconheceram o arroubo golpista do presidente, travestido de libertação adolescente, ao tentar fazer uso do “estado de mobilização” para assumir o comando das polícias militares país afora.
A estratégia, desesperada, é fruto de uma série de derrotas acumuladas pelo presidente nas últimas semanas, a começar pelos números da pandemia. Ainda que o Bolsonaro os minimize, os resultados estão sob a mesa (do necrotério?): nos aproximamos das 4 mil mortes diárias, e estamos prestes a bater o triste recorde americano de 4600 óbitos num dia. Tudo isso num país bem menos populoso, cujos centros urbanos não apresentam densidade nem malha metroviária relevante. Trocando em miúdos, é o pior caso do mundo.
Na via contrária, o pouco de sucesso no enfrentamento ao vírus vem de João Doria, seu desafeto mais destacado. A obtenção da “Butanvac” é mais um tapa na cara da inoperância do planalto, que será obrigado a ver o tucano por aí, serelepe, dizendo “vou te vacinar” para meio mundo no Twitter. A Bolsonaro, como resposta, coube pedir ao seu ministro astronauta uma vacina pra chamar de sua. Ele inventou uma na hora.
Outra derrota, que contou com sua participação ativa, foi o retorno de Lula ao pleito. Creio que nem meus detratores mais fiéis terão a pachorra de afirmar, e pleno 2021, que as digitais de Bolsonaro não estão presentes no grande acordo que sepultou a Lava Jato e colocou o petista de volta ao pleito. É sabido que o presidente e os seus viam com bons olhos o retorno do metalúrgico, vislumbrando uma polarização burra para 2022. A realidade, porém, foi pior: Lula aparece forte nas pesquisas e modera o discurso mirando o Centrão aliado a Bolsonaro. O presidente sentiu.
O efeito Lula turvou a visão do mandatário, que voltou a flertar com discurso golpista mesmo após se abraçar ao sistema. De que adianta bravejar contra os poderosos quando ele próprio faz parte dos conluios mais sórdidos desta turma — da PEC da impunidade à operação Salva Flávio? A realidade é que Bolsonaro foi absorvido pelo sistema, mas dele faz uso precário. É incapaz de extrair os benefícios dos grandes pactos ou da mera governabilidade por eles gerada. Resta, apenas, uma máquina de malefícios.
Temendo uma derrota provável no pleito de 22, o presidente sente os arrepios de uma CPI do COVID a ser conduzida pela próxima legislatura. Há cheiro de Nuremberg no ar. Investigações que apontem uma atuação articulada entre o executivo, influenciadores e parlamentares na sabotagem ao combate ao COVID, incluindo aí a (des)distribuição de insumos, a negativa às vacinas e a insistência no “tratamento precoce”, abrirão a caixa preta de um dos momentos mais sórdidos de nossa história. O morticínio de brasileiros é parte de um projeto político. Tem DNA. Basta fazer o teste.
Falar em golpe e planejar sublevação policial é mais um capítulo na tentativa desesperada de Bolsonaro sobreviver. O presidente é um misto de pavor com oportunidade: pavor em perder e ser preso; oportunidade em “libertar” o povo das restrições de circulação para usufruir da popularidade almejada. É cálculo de um ser sórdido. É um anti-líder.
Liderar em tempos de crise tem a ver com conjugar interesses e obrigações distintos em busca de um propósito maior. Deveria ser ele a combinar os esforços no combate ao vírus para que retomemos a vida normal o quanto antes. O bom lidar pondera o sacrifício do hoje para o sucesso de amanhã. É o mesmo esforço demandado para implementar reformas impopulares e esforços transformadores. Bolsonaro também falhou nestas tarefas. Escudado pelas teses de Olavo, vê na crise, ao contrário, oportunidade para acirrar contradições e acumular poder. É um arrivista do século passado.
A maldade de um homem que vê numa peste uma “janela histórica” para um golpe deveria ser bastante para uma reação definitiva das instituições. A paralisia geral — quando não cooptação pura — é sintomática de algo maior. Nos lembra a razão pelo qual elegemos Bolsonaro, e por que um homem deste caráter alcançou o coração de tantos brasileiros. O monstro na cadeira presidencial tem pai e mãe, tem endereço. É o tal “sistema”, que o pariu, acolhe e não sabe o que fazer com seu filho ingrato. Rumando à anomia, nem sabemos mais a quem recorrer. Jogo que segue...
Congresso frustra tentativa do governo de obter maior controle sobre orçamento em PL das Emendas
“Embargo ao Carrefour no Brasil inclui frango”, diz ministro da Agricultura
STF e Governo Lula se unem para censurar as redes sociais; assista ao Sem Rodeios
Procurador pede arquivamento dos processos federais contra Trump
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS