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Renan Santos

Renan Santos

Olavo e o filho feio

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Filho feio não tem pai. Nos aproximamos de 2022, e a quantidade de gente tirando o corpo fora do governo Bolsonaro não está no gibi. Os últimos episódios prometem ser empolgantes, e não serei eu aqui a prever a longa agonia do presidente anti-sistema que se juntou ao sistema para derrotar o sistema e perdeu sistematicamente todos os embates até aqui.

Olavo de Carvalho olha meio de canto, diz que não é pai da criança e esboça uma independência que não existe. “Ele não leu meus livros”, disse o velho, e não duvido que grande parte dos seus alunos também não leram. É marca do conservadorismo brasileiro a pose arrogante, a pinta de canastrão e as certezas absolutas (defensores da verdade que são) sobre qualquer tema que pinte no radar. Foi sobre poses, caras e bocas que o bolsonarismo se tratou nos últimos anos: muita bagunça pra pouco resultado.

É fato que Olavo adota postura dúbia desde sempre; é assim, como malandro no bar, que construiu as teses e antíteses que lhe garantem, sempre, um pé na jangada de salvação. Neste caso, está e não está com Bolsonaro ( a depender do dia e dos humores de Alexandre de Moraes). Mas há certo padrão que nos deixa claro, ao menos, uma direção: ela é longe do presidente, nem tanto de Bolsonaro.

Não é possível imaginar o olavismo desatrelado de seu hospedeiro — pelo menos até as eleições —, dada a dependência financeira da teia de relações do velho com o governo federal e os gabinetes de deputados aliados. As críticas que pululam aqui e acolá de seus prepostos são as chamadas críticas permitidas. São do jogo. Há também um ensaio de independência vindo do hospício de Weintraub, ligado ao PTB de Fakhoury e Douglas Garcia. Ensaio minoritário, alternativo; expectativa da salvação antes de possibilidade de poder.

Nada disso, porém, resolve o esquema dado. Alguns poucos influenciadores ligados a Olavo adquiriram peso e independência. Incluo aqui tipos como Ítalo Marsili, iniciativas como a produtora Brasil Paralelo, e muito pouco além disso. No mais, algumas moças de roupas modestas no instagram, youtubers banidos pelo STF, uma tentativa de cineasta governista e gente que não toma vacina como profissão. Nada muito promissor, reconheçamos. Mas é o que tem. É o suficiente pra eleger um deputado aqui e ali e preparar o bando para a longa travessia do deserto.

Para as ambições, de Olavo, porém, é muito pouco. A pouca saúde ajuda a retirada de expectativas, mas é óbvio que o filósofo esperava mais da chegada ao poder de sua visão de mundo. E perceba, não foram poucas as vezes em que sua leitura muito particular do jogo político se fez presente — se impôs — diante de cenários complexos que se abriam no mandato de Bolsonaro. Foi assim nas manifestações golpistas, no aparelhamento da Educação e do Itamaraty, nas relações com os Estados Unidos, no trato com a imprensa e na pandemia. 

Não há do que reclamar: este governo foi de Olavo e dos seus. Fracassou pois não haveria como dar certo, pois Bolsonaro não foi eleito para governar e tratou de deixar isso claro ao longo destes tristes três anos de mandato. E agora, diante de uma derrota eleitoral iminente, o filósofo se descola do rei e, como que num passe de mágica, diz não ter relação alguma com o desastre que patrocinou.

Olavo não é Platão, mas esta gestão foi sua Siracusa. O fiasco mancha sua carreira, suas certezas absolutas, sua infalibilidade perante a massa de rapazes abobados que lhe outorgam o caráter de mestre. Olavo tem razão, e assim será; ele não pode participar de um governo derrotado. Mas as vicissitudes da liderança — e ele conduz sua rede com mãos de ferro — não lhe permitem sair de cena. E é aí que perguntamos: o que fará o filósofo sem seu presidente?

O comentarista político Eduardo Bisotto tem uma pista. Ele vê em Eduardo Bolsonaro, o mais ideológico dos filhos, o refúgio seguro para que Olavo recrie sua mística com um mínimo de estrutura política e pouca vinculação com o show de horrores do governo atual. O comentarista prevê que o grupo, livre de Jair e suas associações com o centrão, possa hegemonizar uma oposição ideológica ao governo Lula, valendo-se, possivelmente, de um agravamento da crise econômica e do já esperado duro acerto de contas que viria no mandato petista.

Compartilho da tese, com moderação; o olavismo já ensaiou um jogo duplo de independência parcial do governo federal, em seu início, buscando recrudescer a base militante dois ou três tons acima da linha governista. Falhou — suas lideranças não aguentaram o tranco e o governo Bolsonaro se provou mais irrazoável que a própria militância. Há certo vício na adesão fácil à figura maior; é da lógica própria das redes sociais. Essa gente abandonaria a curtida fácil em prol de uma estratégia minoritária? Não sei... 

Não vejo em Eduardo ou em sua massa de influenciadores a capacidade de liderar um processo muito diferente daquele ocorrido entre 2015 e 2018. Mais: embriagados pelas delícias do poder, não terão resiliência para operar na planície, assediados pelas prováveis CPI’s e investigações que irão castigar os participantes deste governo. Mas não descarto a hipótese, visto que o pensamento de Olavo é a única coisa a ocupar aquela cabecinha confusa de deputado que se acha príncipe. Se há um caminho, é este. Não haveria resistência. 

O futuro, portanto, é incerto. O que temos é um encerramento de ciclo, o fim da nova direita brasileira, que teve em Olavo seu Alfa e seu Ômega. A próxima eleição não será dada mediante os termos e teses que hegemonizaram 2018. O espírito do tempo é outro — baseado, antes de tudo, no fracasso humano e moral de um pensamento que se propôs cristão e popular, mas que se revelou autoritário e conspiratório, mais vingança que proposição. Será nas cinzas do seu fiasco que o velho da Virgínia tentará se reconstruir em vida. Não lhe desejo sorte.

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