"Meu Deus do céu... O que o Trump fez pode dar uma merda jamais vista pela nossa geração…”. Foi assim que Felipe Neto, principal porta voz de sua geração, reagiu aos ataques americanos que deram fim a Qassem Soleimani, número dois na cadeia de comando do Irã.
Junto dele, a internet desabou. Millennials em todos os cantos do mundo lamentavam a iminência de uma guerra global; brasileiros — distantes do conflito mas próximos do dramalhão — lideraram a onda de comentários histéricos no twitter, chegando ao ponto de serem objeto de análise estupefata na televisão iraniana. Sim, amigos, nossos tuiteiros foram dissecados pelos terríveis persas. Isso sim é razão para temer.
O caso mais espantoso foi o da atriz mirim Maísa. Viajando pelo Oriente Médio, a pequena influenciar disparou: "Gente, terceiro dia do ano e terceira guerra mundial? Gente, na moral, alguém explica, tô até com dor de barriga. Um dos meus maiores medos é viver na guerra, de verdade gente. Não brinca comigo, tô até com dor de barriga. Meu Deus, me tremi toda só de ler isso, juro. Eu acho a coisa mais pesada que existe.”
O público, obviamente, se solidarizou. E vejam, pulularam também memes divertidíssimos sobre o tema, protagonizados, novamente, pelo Brasil. Mas o pano de fundo — a histeria, o medo, as gritas por salvação — permanecia o mesmo. Havia um fetiche — um prazer — na contemplação do sofrimento, na iminente possibilidade de dor e morte causadas pela guerra .
É, suponho, uma geração estranha. Não é a primeira vez que ações militares americanas promovem algum tipo de paranóia apocalíptica. Em 1999, o democrata Bill Clinton ordenou ataques contra uma Sérvia promotora de genocídios — e aliada da Rússia; em 2003 o republicano George Bush iniciou uma previsível e sangrenta guerra no Iraque. O ataque a Soleimani, dadas as devidas proporções, deveria preocupar menos.
Mas não é o que vemos. A mesma juventude que fetichiza uma guerra mundial que mal sabe explicar, também se delicia com um simulacro de ditadura militar no governo Bolsonaro. Quantos expoentes da esquerda brasileira — Jean Wyllys, Marcia Tiburi, outros tantos — não buscaram “exílio" em países europeus, ou denunciaram crimes e torturas inexistentes para experimentar uma dor que jamais sentirão?
A paranóia destrutiva acompanha também o discurso destemperado de Greta Thumberg, que denuncia os grandes países, dedo em riste!, por "destruir os sonhos de sua geração". Inspirados por ela, jovens ao redor do mundo organizam danças e cerimônias contra o aquecimento global. Outros tantos, na civilizada Europa, juntam-se a grupos terroristas para tomar parte na Jihad que implementará o califado universal. A paranóia é democrática: direita e esquerda, laicos e religiosos, todos se esfalfam no medo enquanto deleite.
Chega a ser estranho: nunca vivemos tempos de tanta fartura, de tanta liberdade. Soa insano, numa análise preliminar, imaginar que uma geração inteira sinta prazer na ideia de auto destruição. Mas não é, afinal, o que assistimos nesses tempos estranhos? Tanta abundância e tantas possibilidades se chocam, ao fim, numa aterradora falta de propósito, num mundo sem significado e expressão que dê sentido a tanta liberdade.
A destruição, mais do que fetiche, é também uma possibilidade. Uma explicação. Um caminho para uma geração que flana por um mundo de sensações. E talvez, por conta disso, a seduza mais do que qualquer explicação racional.
Em 1962, Bob Dylan apresentou pela primeira vez sua monumental "A Hard Rain’s A Gonna Fall”. Era a resposta do compositor à crise dos mísseis entre Estados Unidos e União Soviética, que colocou o mundo à beira de uma guerra nuclear. Dylan, ali, profetizava os horrores de um apocalipse que espreitava os baby boomers, ainda cientes das dores da grande guerra que atingiu seus pais. Mas suas palavras fazem sentido ainda hoje — e servem de recado para essa geração.
Em tradução livre: Vi uma estrada de diamantes sem ninguém sobre ela / Vi um galho negro que pingava sangue / Vi um quarto cheio de homens com seus martelos sangrando / Vi uma escada branca toda coberta de água / Vi dez mil oradores cujas línguas estavam dilaceradas / Vi armas e espadas afiadas nas mãos de crianças / E uma chuva, uma chuva, uma chuva, uma chuva / E uma chuva dura cairá
No universo das redes sociais, a espada afiada das Maísas e Felipes Netos cortou a língua dos grandes oradores.
Estamos à mercê, enfim, de seus medos e impulsos mais profundos…