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A mentalidade dos apoiadores do governo jocoso de Bolsonaro elevou à última potência um comportamento que já denunciávamos na esquerda: caminhar na contradição sem se importar com algum princípio ético ou virtuoso.
Alguém em sã consciência acha normal que o presidente faça um pronunciamento oficial em que afirma categoricamente que a Covid-19 é só “uma gripezinha”, e depois de alguns meses nega tal fato? E pior ainda, o núcleo fanático defendeu que tal frase não saiu da boca do mito.
Esse comportamento se repete durante toda sua gestão, e é de se presumir que existem consequências. Não só durante a pandemia, mas na resolução, quando o presidente entrou em uma saga contra o governador João Doria — em uma espécie de “corrida espacial” —, para decidir quem iria trazer primeiro a vacina contra a peste.
Na empreitada, Bolsonaro queimou relações com a China, sendo seguido por seus apoiadores que trouxeram teorias conspiratórias das mais diversas. Iam de um suposto chip presente no imunizante até medicamento capaz de alterar nosso RNA, que a maioria deles nem sabem o que é. No final das contas, ele precisou ceder.
Nesta quarta-feira, 16, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, teve que acatar o pleito dos governadores e firmará um contrato de compra de 46 milhões de doses da Coronavac, a famigerada “vachina”.
A parte cômica dessa história é que mais cedo Bolsonaro havia afirmado que não iria tomar a vacina chinesa, o que fez sua militância repetir o mantra no Twitter durante todo o dia. Agora sim eles entraram numa contradição gigantesca, o mito falhou, foi covarde e cedeu à pressão, finalmente o rebanho vai entender que ele não passa de um farsante, correto? Calma lá, caro padawan...
Sabemos que o negacionismo irá continuar. Os mesmos que caíram na pegadinha do presidente irão defende-lo incondicionalmente, deixando de lado qualquer resquício de lucidez. Seria esperar demais que eles tivessem um lapso de sanidade.
Mas cabe deixar claro: esse modo condicionado de pensar já está sendo construído faz muito tempo. O precursor intelectual do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, não nega que despreza o filósofo Immanuel Kant — porém deixa claro que não teve sapiência para compreendê-lo.
O falso profeta soube como conduzir o furto da autonomia dos indivíduos que condicionaram sua existência a Bolsonaro. Se o baixinho alemão defendia que a emancipação se dava na libertação de qualquer tutela intelectual, o astrólogo segue o caminho oposto, pois sabe que precisa de massa e volume para avançar nos espaços públicos.
Em um vídeo desastroso, Olavo afirma com todas as palavras que a militância bolsonarista não deveria defender o combate à corrupção, o liberalismo ou conservadorismo, mas somente a figura do mito, pois ele foi o escolhido.
Se na via intelectual isso ficou claro, na prática o governo Bolsonaro treinou seus soldados todos os dias para que estes continuem fiéis ao líder supremo. O trabalho demostrou resultado por um tempo, mas eles não contavam com a capacidade do mite ser autodestrutivo. Todas as crises da gestão foram geradas por ele mesmo, sem nenhum ganho real posterior.
É possível notar que há, de fato, um método nas atitudes do presidente e daqueles que habitam seu entorno, mas como tudo que envolve Bolsonaro, trata-se de um método caótico. Nada é tão claro, mas os padrões são facilmente identificados, já que provavelmente nem mesmo eles têm algo definido.
O relacionamento com a imprensa, por exemplo, demonstra que há um script sendo seguido com o objetivo de se chegar a um determinado resultado: descredibilizar os veículos tradicionais de informação. E de nenhum modo esta coluna pretende passar pano para nossa mídia, que estampou na camiseta o rótulo da parcialidade nas eleições municipais.
Façamos uma digressão até a demissão de Santos Cruz, que inicialmente foi negada pelo presidente, mas logo se confirmou verídica no Diário Oficial. Essa receita se repetiu em diversos casos, inclusive quando o filho 02, Eduardo, falou à Fox que seu pai estava com o novo coronavírus, mas logo em seguida a informação foi negada.
Mas por que esse trabalho com a imprensa? Na realidade, se trata de uma empreitada com a manipulação da informação e deturpação do conceito de verdade. O processo de desmoralização de veículos, entidades e personalidade que possam representar algum tipo de ameaça ao bolsonarismo é ramificado em diversas frentes.
O gabinete do ódio, por exemplo, se comporta de outro modo, já que os alvos são outros e age de baixo para cima — ao contrário das pegadinhas com a imprensa, que são feitas de cima para baixo, imaginando uma linha vertical da disseminação da informação.
Como resultado final, enxergamos uma parcela da população pobre de espírito, com uma moralidade desprezível, que não se importam em afirmar exatamente o oposto do que se afirmou no dia anterior.
Não se pode negar que essa várzea intelectual já estava presente nas bases militantes de esquerda; nesse caso, vemos que essa destruição mental teve um efeito muito mais devastador — não somente nos indivíduos que se perderam no fanatismo, como em todos os brasileiros, que hoje colhem as mazelas de um projeto de tornar absurdo o próprio pensamento.
Certamente não falo em vítimas; caso você tenha pensado isso, está redondamente enganado. O ignóbil é o único responsável pelo seu próprio entendimento, mesmo que se renda à tutela de outrem. A escravidão mental é a desculpa perfeita para os fracos que se deixam seduzir por qualquer discurso que traga o mínimo de significado para si.
Portanto, convido vocês a assistirem a ruína do Messias, que não faz milagres, mas consegue levar muitos a acreditarem que sim. Como dizia o apostolo Pedro, não restará pedra sob pedra deste templo imundo, construído com base no maior estelionato eleitoral da nossa história