Um breve passeio pela Câmara dos Deputados traz uma visão aterradora do estado atual da esquerda brasileira. Os gabinetes petistas ainda ostentam, corajosamente, seus cartazes de “Lula Livre”. Ainda não amarelaram. É como se a sombra de sua última grande luta acalentasse o sono de uma esquerda que envelheceu, perdeu vigor e causa.
Lula saiu da cadeia e desapareceu. Sua turnê pelo Brasil não provocou grandes mobilizações; a tentativa de “chilenização" — aguardada ansiosamente por Bolsonaro e seguidores — não rendeu nada além de comentários infelizes sobre AI-5 por parte de Eduardo Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes.
Não deixa de ser irônico que, politicamente, Lula vale mais preso do que solto. Serviu como causa — elemento de aglutinação — , mobilizando jornalistas e outras “vítimas" da Lava-Jato. Gerou chavões, gritos de guerra e ação política no STF. Amparado pelas conversas vazadas pelo Intercept, construiu imagem de “vítima de perseguição”, tese amplamente divulgada pela imprensa nacional. Virou mártir da própria causa.
A causa, porém, esgotava-se em sua militância. O Brasil não torceu pela soltura de Lula. A população que lhe granjeia apoio — povo pobre, sofrido, ainda vitimado pela crise — permanece alheia ao noticiário político e policial que fez a cabeça dos setores médios e urbanizados. Vota em Lula, mas não milita. São nuances que não podem ser ignoradas.
O "Lula Livre”, feito realidade, não mudou suas vidas. O ex-presidente, tampouco seu partido e demais satélites, não encontra respostas satisfatórias para os grandes temas que dominam o debate público. A questão da previdência foi ilustrativa: restou à esquerda contrariar a matemática -- e só. Sobre os aplicativos de transporte e entrega, que empregam mais de 4 milhões de brasileiros, Lula e o PT denunciam a "precarização do trabalho" — como se mais regulação fosse resolver a vida destas pessoas -- sem propor nada de substantivo em termos de emprego e renda.
Nada, porém, supera sua intransigente luta pela impunidade e pelo corporativismo. O partido dos trabalhadores foi ponta de lança na luta pelo “juiz de garantia” e pelo aumento do fundo eleitoral, temas que geram arrepios na classe média. Não à toa, o fosso que separa a esquerda deste segmento aumenta cada vez mais, provocando as primeiras movimentações autônomas neste campo.
É o caso da "esquerda moderninha” de Tabata Amaral e fundações como a Lehmann, que procura construir-se “fiscalmente responsável” enquanto não se envolve em polêmicas caras para um eleitorado mais instruído. Amparados em sua esperança na candidatura Huck, são o sopro de novidade no setor, ainda que sem a base social e a representatividade política do lulopetismo.
Próximo a eles, Flávio Dino, governador do Maranhão, ensaia vôo próprio além da sombra do ex-presidente. Conversa com Maia, Huck e partidos do centrão; é numa centro-esquerda mais eclética e com mais repertório de ações que reside a aposta do comunista.
Resta ainda a luta de Ciro Gomes e seu PDT para estabelecer-se como força alternativa — esta mais feroz e menos negociada que as anteriores. Boquirroto como sempre, o ex-governador cearense permanece bom de polêmica mas fraco nas intenções de voto. Não deixa de ser comovente, entretanto, a coragem com que empreende sua luta para impor-se diante de um lulismo monolítico na oposição a Bolsonaro.
Em nenhum dos casos é possível perceber a construção de uma alternativa sólida não só ao governo vigente — que tropeça nas próprias contradições — como ao discurso de um Lula que não empolga mais ninguém. É relevante que o grande debate se dá, hoje, entre o presidente e seus prosélitos contra os ditos “isentões” — figuras do campo da direita e do centro que rechaçam o personalismo, o patrimonialismo e as incoerências populistas de Jair Bolsonaro.
Falta à esquerda uma pauta. Uma causa. Não a causa própria da “luta contra o golpe” ou do “Lula Livre”, mas de temas substantivos que ainda possam agregar algo além de populismo barato e sabotagem pura e simples, como fizeram na reforma da previdência. Amparar-se em Lula como avatar que justifique seus arcaísmos vem dando errado — e sua “brochada” no pós-soltura denotam um esgotamento no culto despido de horizonte.
Lula ainda paira, estático, como árvore frondosa no jogo político brasileiro. Sua sombra impede grama de nascer ao seu redor. Nada viceja, tudo é sugado por suas raízes. Até por isso, não é mais em seu jardim que o brasileiro procura respostas para seus problemas. A grama do vizinho, pelo que percebemos, ainda aparenta ser mais verde…