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As eleições de 2022 começam a ganhar seus primeiros contornos. De cenário desolador, disputa de vilões em terra arrasada, passamos a contemplar um horizonte diferente. Nas cinzas do incêndio político, nas colinas dos cemitérios improvisados, uma nova fauna se avoluma, movimenta, e traz confusão e pânico aos animais já estabelecidos no ambiente.

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É fato que a polarização entre Lula e Bolsonaro, em números atuais, revela uma diferença grande entre estes e as demais alternativas. Lula, na pesquisa encomendada pelo MBL, na última semana, lidera com 36%; Bolsonaro vem atrás com 31%. Entretanto, a rejeição compartilhada por ambos — ultrapassando a casa dos 50% de acordo com a XP/Ipespe — demonstra também que seu recall e públicos cativos não são suficientes para garantir sua vitória, e quiçá o duelo entre os populistas no segundo turno.

Sua esperança reside na concorrência. As opções atuais se embolam numa competição sonolenta mostrando pouco traquejo no que estão fazendo. A começar pelo concorrente mais óbvio e rejeitado, o governador de São Paulo João Doria Jr. O tucano se arrasta ao redor dos 4% e vê sua rejeição aumentar. No estado que lhe permitiria uma largada competitiva, naufraga. Pesquisa recente o colocou com meros 8% na disputa pelo palácio dos Bandeirantes em 2022. É muito pouco. 

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Ainda que acerte na vacina, seus erros na condução da pandemia — o famoso “abre e fecha” nas coletivas — foram trabalhados com afinco pelo Planalto, quase inviabilizando os avanços do governador. Doria abusou da exposição, tornando-se orgulhoso porta-voz de notícias ruins para o povo que governa (chamado eufemisticamente de “brasileiros de São Paulo”) enquanto fala como candidato na questão da vacina. É fato: seus erros eclipsaram a vitória monumental obtida com o Butantan.

Eduardo Leite, seu concorrente no tucanato, é um ilustre desconhecido para o eleitorado brasileiro, mas faz a cabeça das elites no eixo Rio-São Paulo. É o queridinho de ongueiros, economistas e empresários não-cloroquinados (triste definição em tempos de Luciano Hang), apostando firme na construção de um consenso político que não virá ao redor do seu nome. É um bom governador. Por enquanto, nada além disso. Sua ambição, porém, ainda fala mais alto que seus resultados. 

Brigando com eles sob os escombros do tucanato, temos um cada-vez-menos-candidato Luciano Huck. Já fui injusto com o apresentador outras vezes, e confesso que Luciano é sujeito correto e bem intencionado. Mas não sabe se posicionar…. e isso conta. Muito. Um homem influente como ele não pode pairar inerte no debate, comentando minudências enquanto o país pega fogo. É acompanhado de nomes fortes e tem projeto realista, mas parece condenado a desaparecer em meio a um quebra-pau que parece não estar disposto a aderir.

Sua falha mais óbvia — optar, antes de tudo, pela aprovação do sistema político — se reflete no interesse cada vez menor em sua candidatura. Erro similar cometido por Mandetta, dono da menor das rejeições dentre os demais candidatos. O ex-ministro da saúde poderia liderar os esforços contra a farsa bolsonarista na condução da pandemia, mas perde relevância recorrendo a fórmulas obsoletas num debate encarniçado como o de hoje. Poderá sumir enquanto amarra consensos sobre democracia e articulações num partido morto.

Ciro Gomes, nome alternativo da esquerda, tem destino agridoce: por mais que adote discurso agressivo contra Bolsonaro, é indulgente com Lula e não convence o centro-sul do país. A retórica espalhafatosa e o discurso desenvolvimentista, alicerçado na sua costumeira empáfia de dados entulhados, também não ajuda. É mais fácil o pedetista sucumbir em seu próprio estado diante de um Lula em ascensão que derreter a cadeia de alianças que o petista construirá dentro do campo da esquerda — a começar pelos cobiçados PSB e PCdoB. Será candidato, como nunca; perderá, como sempre.

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Estes são os nomes que se apresentam sob o carimbo do sistema político. Os professores na matéria, tomando bailes recorrentes de um claudicante Jair Bolsonaro, juram ter aprendido a lição, enquanto incorrem, sucessivamente, nos mesmos erros cometidos em 2018. Não à toa, sua relevância no debate se dá quando enfrentam o presidente em alguma polêmica, como João Doria, ou quando assinam cartas conjuntas vazias de conteúdo pra denotar uma “união”. Não vem funcionando.

A novidade, porém, não reside nos postulantes já descritos, mas naqueles que caminham paralelamente ao jogo. Como afirmei no começo do texto, são a nova fauna que se apresenta ao grande público, sorte de seres exóticos dotados de vantagens comparativas nesse momento em que as indefinições são tantas que nem o discurso comum existe.

Falo, aqui de João Amoedo e Danilo Gentili, nomes alternativos e distantes das mesas de negociação em Brasília. O primeiro, com 3%, mantém-se no jogo a despeito da sabotagem interna no próprio partido. É sabido que o NOVO tornou-se alvo de infiltração bolsonarista — quando não do oportunismo barato e caça likes em sua bancada eleita em 2018. Fora do partido, Amoedo fez-se liderança na oposição de direita, tornando-se mais útil no enfrentamento ao governo que Huck e Leite juntos.

Gentili, por sua vez, é a novidade que ninguém acredita, mas todos comentam. Desde a campanha espontânea em redes por sua candidatura, logo após o pedido de prisão junto a Alexandre de Moraes, o apresentador do ‘The Noite’ não saiu mais da boca do grande público. Principal influenciador na oposição a Bolsonaro, é, talvez, símbolo maior do brasileiro que renega um segundo turno entre o petista e o milico: Gentili foi perseguido por ambos, já teve sua cabeça pedida em mais de um emprego e foi alvo de perseguição judicial implacável ao longo dos últimos anos. É encarnação da idéia própria de terceira via. Por isso, surpreende e cresce rapidamente.

A sondagem contratada pelo MBL o colocou com 4%. Após sua publicação, na terça feira da última semana (6), as pesquisa por ‘Danilo Gentili Presidente’ no Google igualaram as de ‘Lula presidente’, líder em todas as pesquisas. Dois dias depois, foi apoiado pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, em artigo para a Crusoé. O mesmo Moro que, lembremos, não aparece com menos de 10% em nenhuma das sondagens dos grandes institutos. É o mais importante dos apoios.

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O que isso pode interferir no jogo em questão? Em tudo. Uma aproximação entre Moro, Amoedo e Danilo, como as redes demonstram, é mais natural e intuitiva do que entre os agentes políticos anteriormente citados. O trio possui afinidades ideológicas e demonstrações públicas de lealdade aos seus valores, permitindo que as redes sociais, espontaneamente, construíssem um caminho convergente antes mesmo que conversassem entre si.

O bloco que se forma, tendo em vista suas intenções de voto nas pesquisas contratadas e o canhão de comunicação nas redes sociais, é mais forte e atraente que a massa de concorrentes que enxergam o postulante ao lado como adversário, e não parceiro de guerra. É também mais agressivo e chamativo, gerando fatos que alimentam a imprensa e as redes sociais. É fato: Danilo, Moro e Amoedo, juntos, dão as cartas no competitivo jogo de pré-campanha para definir o nome a enfrentar Lula no segundo turno. Mas não para por aí.

Percebe-se em Brasília uma movimentação — ainda na base da curiosidade — ao redor do que vem acontecendo. São deputados de partidos menores, caudatários dos grandes acordos firmados pelo alto clero, que enxergam no bloco ascendente um caminho alvissareiro para construir suas reeleições. Após o fiasco de Geraldo em 2018, ninguém mais dorme de touca. Não irão aguardar o tucanato emitir a fumacinha branca de seu escolhido, passivamente, enquanto o bonde passa carregando novas lideranças. 

Esvaziados por Bolsonaro na disputada pela presidência da Câmara, os cardeais do Centro podem se ver sozinhos caso não percebam os novos movimentos. São eles — e o presidente da República — os maiores prejudicados na articulação espontânea que toma as redes antes dos corredores de Brasília.