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A ativista Sara Winter foi presa. Júbilo! Obteve, finalmente, o sucesso pretendido. Tentou como Femen — ativista pró-aborto que era — e jamais conseguiu; flertou com a política ao se candidatar pelo DEM, mas terminou juntando votos para Rodrigo Maia. A glória veio apenas na liderança dos “300”, grupo de 30 aloprados que faz cena para as câmeras fingindo fechar Congresso e STF.
Sara está feliz. Sua atividade política se realiza enquanto performance. Sara aprendeu com as militantes do Femen — grupo feminista ucraniano do qual fez parte — que a militância se dá na ordem do espetáculo. Não precisa haver um horizonte de lutas; cenas recortadas em redes sociais atendem ao ímpeto caótico de uma sociedade que vê na política apenas mais um tipo de entretenimento.
Os atos do Femen — recheados de mulheres nuas "escandalizando a sociedade" — se resumiam a pequenos happenings voltados à imprensa e às redes sociais. Minutos após a atuação, as militantes voltavam para casa. O resultado pretendido era alcançado, mesmo que o Femen não tenha nada a propor além do escândalo em si. Ele serve a uma pauta — aos verdadeiros agentes políticos — que, em tese, se beneficiam do “pico" de audiência obtido com o escândalo.
E o militante? Em geral, busca a fama. É importante ter isto no horizonte, posto que se política é espetáculo, o militante se pretende celebridade. Isto é especialmente reforçado no Brasil, terra onde malandro é rei e as redes sociais são usadas à exaustão. Aqui, o ato de militar, acima de tudo, obedece à lógica do algoritmo: sem audiência, sem sucesso. Nem que o discurso em si seja jogado na vala.
Nesse sentido, percebe-se, os agentes se vêem como parte de um espetáculo — com diversos atos, dramas e reviravoltas. Eles acompanham o enredo e alteram seus papeis mediante a leitura do cenário que lhes convém. Alexandre Frota, por exemplo: de ex-ator pornô tornou-se campeão do conservadorismo; tão logo eleito deputado, fez-se oposição ferrenha a Bolsonaro, chegando ao ponto de flertar com o anarquismo.
Frota teve sua “conversão" ao conservadorismo avalizada por Olavo de Carvalho. Idos de 2017, o guru resolveu ampliar sua base de seguidores; na mesma tacada defendeu apoio ao ator e à Sara Winter — mesmo vídeo! — afirmando que quem era contra tinha inveja dos músculos de Frota e dos seios de Sara. Sua militância, como de praxe, acatou. É sempre bom ter padrinho forte.
Outras figuras do bolsonarismo — Joice Hasselmann, Carla Zambelli, Roberto Jefferson — seguem caminhos diferentes, mas processo similar. Vivem, cada uma na sua aposta, papeis importantes no enredo político da novela Brasil.
Vejamos Zambelli. Esta, também cria do Femen, era “morista” até morrer; após o juiz abandonar o governo, lançou uma intifada contra ele.
Moro foi seu padrinho de casamento. Agora é inimigo mortal. Zambelli pouco se importa: abandona o juiz como quem troca de sapatos e atenderá a todos os pedidos do presidente, posto que parasita seu eleitorado. Moro deve ser destruído! Jair não erra jamais! Puxar saco é o papel lucrativo que resta à deputada paulistana.
Joice ocupava este espaço antes de Zambelli. Era ela a submeter-se ao ridículo cargo de “Bolsonaro de saias”. Ia à radio dizer que o presidente sempre acertava e “sabia o que estava fazendo”. Como não obteve apoio para ser a candidata a prefeita de São Paulo, pulou fora. Hoje, é anti-Bolsonaro desde criancinha. E irá crescer, não duvide. Joice, assim como Frota e Zambelli, entende política como espetáculo.
Voltemos a Sara. A líder dos "300" jamais representou ameaça de fato à segurança das instituições. Ninguém em sã consciência avaliou suas marchas macabras e dancinhas ridículas como perigo iminente à autonomia do STF ou do Congresso Nacional; era tudo pequeno e ridículo demais para ser levado a sério. A performance, porém, não era de todo inútil.
Sara operou, a todo tempo, no campo simbólico. As canções que entoava em frente à suprema corte, seguidas pelos disparos de rojões do último fim de semana, tem importante papel sugestivo num momento de guerra institucional. No campo simbólico, Sara bombardeou o STF. O espetáculo oferecido — uma cena de guerra, similar aos bombardeios noturnos à Israel — evoca o combate, sugere a potência destruidora da rebelião pretendida.
O Bolsonarismo operou Sara — mulher transtornada e oportunista, ególatra sem escrúpulos — como vanguarda sugestiva. Seu grupo evoca os 300 de Esparta, exército diminuto e valente que se fez frente de batalha até que o restante dos gregos tomasse parte no conflito. O recado de Sara é claro: “somos nós a fazer o sacrifício até que você se junte à nossa guerra”. E qual é a guerra? A mesma de Bolsonaro, Heleno e Olavo de Carvalho: a implosão do sistema republicano brasileiro.
A sofisticação operada pelo filósofo da Virgínia e os seus merece destaque, visto que reserva espaço para figuras das mais díspares. Quem diria que Sara Winter e Gilberto Kassab seriam ferramentas igualmente importantes no xadrez desta manobra?
Sara, generais golpistas e militância atiçam o conflito, provocam reação institucional; Kassab, Lira e Ciro Nogueira vendem nacos de governabilidade, blindando o governo contra o impeachment. A estratégia do estímulo contraditório, da dissonância cognitiva — comprar e tentar fechar o congresso ao mesmo tempo — é executada com maestria aos olhos de uma população inerte.
Sara, a bem da verdade, não tem a menor ideia do papel que o governo lhe reserva nesta dialética do golpe. O cumpre pois quer fama — a mesma que buscou sugerindo o aborto indiscriminado ou emulando a nazista britânica Sarah Winter nas redes sociais. Sairá vencedora: o cárcere lhe concederá status de mártir da causa por alguns meses — o suficiente para que ela se reinvente e encontre um novo papel.
Sara, assim como Frota, Zambelli, Joice e tantos outros, é apenas um clown à procura de salvação. Não interessa a causa, o caos servirá de alimento para mantê-la viva e atuante. É uma má notícia: não há sinal algum de que a política-espetáculo irá refluir. Sara pode ser o começo de algo ainda pior que se levanta no horizonte.