O presidente da república está confuso. Sua recente ida à Itália, onde discursou para garçons e dialogou com Jim Carrey sobre a Torre de Pizza, mostra bem o esvaziamento de um governo sem propósito, que não sabe bem o que faz em área alguma. Como sinal dessa confusão, temos talvez o ato mais Bolsonaro de todos nestes três anos de anti-governo: o presidente da cloroquina outorga a si próprio uma comenda científica, misto de narcisismo com terraplanismo crônico. O gado gostou.
Perdido que está, é presa fácil para Lula. Operando com o Centrão, Bolsonaro sustenta que a compra de votos via emendas e auxílio-emergencial é solução desesperada contra a hegemonia do petista junto aos mais pobres. Desinteressado por construção mais complexa — seria o Brasil uma torre de pizza? —, Bolsonaro só pensa em comprar. Não há dinheiro? Dê calote. Pedala. Há certo descompromisso de homem comum, de bêbado perdulário, com cheiro de povo e cachaça vagabunda. Bolsonaro compra fiado e não paga.
Em sua cabeça miúda, espera chegar ao segundo turno contra Lula; lá, pretende “resolver como der”, de algum jeito, garantindo a reeleição e salvando sua pele. Descompromissado com qualquer agenda de país, sonha com a reeleição mais como salvação do que triunfo: o medo guia suas decisões, e o futuro — não importa o resultado — varia entre a dor possível e a catástrofe total.
É neste cenário que surge no horizonte a candidatura de seu ex-ministro da justiça, Sérgio Moro, nome maior que o seu durante atribulados anos de Lava-Jato e queda do PT. Confirmada sua pré-candidatura, o magistrado paranaense inicia uma jornada de entrevistas, treinamento e construção de alianças objetivando, ao fim do dia, o cargo ocupado por Bolsonaro. Não apenas o cargo: diferentemente de Lula, Moro disputa a hegemonia do capitão de artilharia perante o eleitorado anti-petista, e brigará pelos votos de direita com o presidente.
Bolsonaro sabe disso. O equilíbrio construído na polarização com Lula é jogo instável; depende, necessariamente, da incapacidade da sociedade civil de construir uma alternativa que rompa com tal dualidade. Dos ensaios postos à mesa, Ciro é aquele com a maior intenção de voto, mas com a menor capacidade de abalar o jogo dado; Dória não decola, Mandetta já acabou e Datena não disputará as eleições. Há apenas Moro, hoje, capaz de subir nas pesquisas e estabelecer, contra Lula, uma dicotomia própria, colocando o presidente de lado no debate público.
Se for exitoso nesta tarefa (que não é fácil), o ex-magistrado pode precipitar uma migração em massa de candidatos, influenciadores e eleitores bolsonaristas para suas fileiras, esvaziando o presidente num momento em que precisa gastar os tubos para simular uma maioria no congresso e na sociedade. Carregar sua cruz é fardo deveras pesado, que será sustentado pelos mais fieis e os mais temerosos. Há grande fila para o abandono. A começar pelos liberais guedistas, desesperados por um novo hospedeiro, seguidos dos antigos aliados do PSL e youtubers e comentaristas políticos cansados de apanhar.
Na dinâmica que Moro pode estabelecer, Lula entra em campo para firmar sua narrativa histórica de queda e redenção. O juiz que lhe retirou a liberdade o fez para “impedir que vencesse as eleições”. Moro, neste caso, é nêmesis maior que Bolsonaro, posto que essencial: não há narrativa histórica petista sem Moro como vilão. Isso obriga o ex-operário a polarizar com o juiz, desmontando o jogo de cartas marcadas com Bolsonaro. E com um agravante: tal contenda não é meramente narrativa (termo asqueroso…), mas absolutamente fundamental para a existência do petismo enquanto alternativa política. É luta que não podem evitar.
Se, além desta disputa, Moro se demonstrar um herdeiro legítimo das luta que deram fim ao governo petista, e retomar a energia cívica perdida nos anos de governo Bolsonaro, a ameaça existencial ao projeto do capitão de artilharia estará dada. O número mágico — os 15% de intenção de votos até março — não são tão distantes quanto se imagina. Ainda neófito nas redes, o juiz impressiona pelos números em suas postagens, resultado direto da demanda reprimida por uma alternativa ao Bolsolula que se desenha. O presidente, não se enganem, já percebeu. O alerta está aceso no Planalto.
As próximas semanas serão intensas. Minha aposta? A aliança entre bolsonaristas e petistas ficará mais cristalina do que nunca. Vencendo ou perdendo, demonstrarão ao país que agem em conjunto em prol de um jogo viciado. Na torre de pizza em que vivemos, nem Jim Carrey soaria tão ridículo.
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