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Cancelaram Bob Jeff. Fiquei confuso. Até ontem, dava como certo que o petebista era “Leão conservador”, “Atalaia da Direita”, “Guerreiro de Cristo”; hoje, confuso, encontro o mensaleiro no mesmo rol da “nova esquerda” do qual faço parte, junto a Kim Kataguiri, Sérgio Moro e João Amoedo.
O cancelamento foi trágico. Jefferson ascendia como foguete na hierarquia do Bolsonarismo, declinando com fluidez o vocabulário da seita. Ocupou espaço atuando como duplo, tanto político quanto ideológico; era homem do centrão com sotaque bolsominion, mas também bolsominion com partido do centrão.
Jefferson conhece o presidente. Assim como Arthur Lira e Valdemar da Costa Neto, já teve Jair como um de seus comandados. Quando deputado, o atual presidente era submisso parlamentar com votos de nicho, irrelevante e conveniente às lideranças de ocasião. Como adultos, seus líderes do centrão tomavam as decisões de bancada enquanto Bolsonaro cumpria seu papel sindical. No momento de crise, foi a eles que o presidente recorreu; procurou socorro, como filho abandonado, no referencial de maturidade nos tempos de Câmara Federal.
Se Lira, Valdemar e Kassab agiram dentro do rigor, tomando para si os cargos e oferecendo — parcialmente — suas bancadas, Bob Jeff ousou: resolveu, além dos cargos, tomar para si, também, a militância. Percebendo a incrível capacidade de auto-engano do bolsonarista radical, costurou aos solavancos, grosseiramente, uma imagem de extremista capaz de fazer Sara Winter corar. E percebam: não houve ali sutileza, processo, evolução; Bob Jeff simplesmente vomitou bravatas e chavões, declarou vassalagem, apontou santidade. Ganhou, assim, seguidores.
Ele explodiu nas redes sociais. Como demonstra o Google Trends, Jefferson saiu do ostracismo para a fama. Carente de liderança, de senioridade, a massa bolsonarista se enamorou por aquele homem experimentado, vivido, versado em tantos governos, disposto a revelar, como que num passe de mágica, seus pruridos cristãos, patrióticos e conservadores. Parecia incrível: Roberto Jefferson delatou o mensalão pois estava disposto a proteger a família brasileira dos desmandos do PT! Agora tudo faz sentido!
Ele seguiu o script com rigor; tão logo aprovado pelo grande público, iniciou turnê por canais bolsonaristas. Foi entrevistado pelo jornalista Oswaldo Eustáquio, pelo portal Terça Livre, por deputados alinhados à causa. Pela eloquência — e por manter um dos pés plantados no chão (da Terra plana?) — mostrou-se mais capaz, politicamente, que o hospício ao seu redor. Surgiram os pedidos: “Bob Jeff, candidate-se!”, “Roberto, seja ministro da Casa Civil!”, “Por favor, ajude nosso presidente!”. Alguém aqui duvida que ele entendeu?
Jefferson veio a público oferecer seu PTB a Bolsonaro. Jair poderia ser candidato pela legenda, o drama do finado “Aliança” poderia se encerrar. Aposta arriscada: o presidente silenciou. Mas Bob prosseguiu. Começou a comer pelas beiradas, alistando nas fileiras trabalhistas o deputadoDouglas Garcia, rapaz especializado em mentir compulsivamente e destruir reputações na Assembléia Legislativa. De acordo com a novilingua bolsonarista, é patriota de verdade. Agora, também, é trabalhista.
A Queda
A ascensão do Ícaro mensaleiro encontrou seu auge nas gloriosas sessões de tiro que gravou, meticulosamente, ao melhor estilo Dudu Bolsonaro. Desajeitado, o eterno cacique, de pistola em mãos, desferia seus balaços num alvo de papel; seu rosto, cheio de vincos, ostentava rigor e seriedade. Jefferson parecia estar bravo — peitando um virtual ladrão, um comunista, um homossexual exagerado —, demonstrando ao espectador bolsominion que ele não estava pra brincadeira. Era um patriota numa missão. Quem poderia duvidar?
Ora, amigos, não estamos falando de um grupo de oportunistas qualquer. Estamos falando de oportunistas sem escrúpulos que ascenderam ao poder. Que comandam, gostemos ou não, uma das maiores democracias do mundo. São oportunistas profissionais, dispostos a aceitar qualquer desumanidade que redunde em maior proximidade com o líder e status social elevado na hierarquia do poder. É gente que mata a mãe mas não entrega o cargo. São incapazes dispostos a tudo para não perder a chance que o destino lhes deu.
Jefferson, de aliado, passou a ser um problema. Passou a fagocitar aliados e ocupar espaços permitidos, apenas, a nomes de destaque no bolsonarismo. Não baixou a cabeça como deveria a Olavo de Carvalho, e ousou — vejam só! — propor um caminho político ao presidente da república. Na cabeça bolsominion, era natural que uma raposa como ele (uma raposa patriótica) fosse capaz de proteger Bolsonaro das raposas do Congresso. Mas tal posição seria algo grandioso demais na mitologia que mantém o equilíbrio entre os cardeais. Jeff deveria ser enquadrado.
Primeiro, pelo especialista em dossiês Kim Paim, outro mentiroso compulsivo da causa. Caberia a ele questionar a lealdade do petebista. Vídeos foram gravados; aposta foi lançada. Bob Jeff avaliou o adversário como alguém menor, “chapoletou” no Twitter, e iniciou conflito armado com danos para ambos os lados. O mensaleiro perdeu, ainda que tenha sido necessário colocar em campo Olavo de Carvalho e seu menino de recados, Felipe Martins.
Nas redes, o estrago estava feito. Bob Jeff foi duramente repreendido pela massa de fakes e fanáticos, colocou a viola no saco e abaixou a cabeça, submisso, não apenas ao líder; provou, ali, sua vassalagem à corte de abestalhados que cerca a família real. Mesmo derrotado, o leão conservador, no cálculo matreiro, saiu satisfeito, posto que angariou seguidores mesmo dentre o séquito de fiéis do presidente. Estabeleceu ali, seu nicho. É baixo clero na bancada militante, prática que conhece bem desde os idos do governo Collor.
O mundo gira, a terra plana tomba. No fundo, fazemos sempre as mesmas coisas.
Só muda o governo.