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Renan Santos

Renan Santos

Temer tutela sua criança

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Como havíamos previsto, este mês de setembro está sendo determinante para a história e o futuro da política brasileira. Certamente as datas das manifestações pró e contra o governo Bolsonaro se destacaram nesta última semana, mas no primeiro caso, o dia seguinte aos protestos (8) foi marcado por uma das maiores movimentações no tabuleiro do xadrez “4D" da República Bananística.

O primeiro avanço claro do presidente rumo ao golpe de Estado foi um passo em falso, recheado de imagens de capitais lotadas com manifestantes a favor do governo. Seria irracional dizer que os atos foram pequenos; o governo financiou uma demonstração de força, e conseguiu. Seus prosélitos tentam evitar, porém, o fato de que a convocação para os protestos contaram com a divulgação de toda imprensa do país, com a força da máquina estatal e o estranhíssimo financiamento de entidades ligadas ao agronegócio, agora é investigadas (com razão) pelo STF.

No balanço final, Bolsonaro colocou todas as suas cartas na mesa, chamou o adversário para o confronto e, ao término da quartelada, o “imbroxável" acabou… broxando. A broxada foi tal que, no dia seguinte, a reação dos demais poderes da República teve peso maior que suas declarações, numa clara inversão de protagonismo. O duro discurso de Luiz Fux, falando em crime de responsabilidade, veio como um jato de água no incêndio provocado pelas manifestações.

Entretanto, o que a Corte não sabia é que no mesmo dia foi decretado um farsesco “estado de sítio” — ao menos na cabeça de alguns caminhoneiros apaixonados pela figura do presidente —, que resultou na paralisação de rodovias em diversos estados do Brasil. Alguma voz com resquício de sanidade no Planalto alertou Bolsonaro que as consequências desses bloqueios seriam desastrosas, levando o presidente a gravar um áudio pedindo a desmobilização dos motoristas. O clima de desespero era acompanhado pela queda na bolsa e a disparada do dólar. O governo, naquele instante, evaporou.

Incêndio na base
Para a base fanática do bolsonarismo, seu áudio fura-greve pareceu um escárnio, e desagradou ao ponto de duvidarem da sua veracidade. Os heróis da Nova Era como Zé Trovão, gente da maior qualidade, sentiam-se traídos. Bolsonaro se destruía perante os mercados, a opinião pública e sua massa de aloprados. Estado de alerta no Vivendas da Barra. Hora de chamar um adulto pra resolver o problema.

Foi então que entrou em cena o ex-presidente Michel Temer, que operou nos bastidores para conciliar o inconciliável e evitar o impedimento do presidente — história contada pelo próprio emedebista.  A imagem de grande articulador que evitou um golpe e um impeachment era o objetivo de Michel, que auxiliado pelo seu marketeiro, tenta se vender como (mais uma) opção de terceira via num leque de cansadas alternativas.

O fato é que a “nota à nação”, confeccionada por Temer em nome de Bolsonaro ( e crivada de erros de português), provocou duas reações — uma com consequências no último domingo e outra que ainda terá um peso negativo de longo prazo para o governo. A carta de “arrego presidencial” afetou diretamente as manifestações pelo impeachment, visto que todo o engajamento da oposição e o senso de urgência na população se dissiparam após a broxada histórica de Bolsonaro. No entanto, o que imprensa a soldo não entendeu ainda é que as consequências deste recuo prejudicam o bolsonarismo em níveis incomparáveis com o esfriamento do dia 12.

As manifestações da oposição, de fato, tiveram problemas e uma baixa adesão para além de São Paulo e Curitiba. Entretanto, é justamente neste ponto que boa parte dos nossos analistas interrompem suas interpretações de cenário, sem compreender que estes não foram protestos de massa, mas sim de militância, apontando tendências, desenhando caminhos. Tal como explica a filosofia de Albert Camus, não há final da história, e domingo foi um ponto crucial e inicial de um fenômeno novo na política, que pode (ou não) dar frutos no longo prazo.

E qual é a consequência negativa para Bolsonaro? O arquétipo "aristocrático" e “dominante” criado pelo núcleo do bolsonarismo foi completamente desmoralizado, e o presidente já sabe disso. Começou com as notícias de que Jair havia recebido uma galhada de sua ex-esposa, que teria se aventurado com homens acostumados a apagar fogo. Até aí, a militância ainda conseguiu relevar; mas o arrego e os elogios direcionados a Alexandre de Moraes, que autorizou a prisão de Roberto Jefferson e Zé Trovão, foram a gota d’água.

A revolta da base fanática pela imagem do “macho alfa” criada artificialmente para o presidente ficou exposta nas redes sociais, onde diversos apoiadores enraivecidos teceram comentários com termos como “vergonha”, “decepção” e “covardia”. Isso porque eles realmente esperavam um golpe, resultante da ação de um presidente forte, autoritário, que domasse as instituições. Miraram Mussolini, acertaram Odorico Paraguaçu. O Índice de Popularidade Digital (IDP) registrou no dia 7 um dos maiores picos de popularidade do presidente (81 pontos); no dia 8, o chefe do executivo desabou, chegando a 61; caiu ainda mais no dia 9 (53 pontos) e atingiu sua baixa histórica no dia 10 (37 pontos).

Todavia, embora 37 pontos seja um número baixo para o presidente da República, ainda não é menor do que seus pontos de QI. Bolsonaro acredita que o número ainda reduzido de manifestantes pelo impeachment servirá como lenha para subir na gangorra novamente e levar sua base rumo ao agravamento. É da natureza do Bolsonarismo o conflito, a cizânia; não há outro caminho possível, especialmente quando o presidente imagina estar seguro para agir.

Com entidades do agro investigadas e o "capitão" desmoralizado, é improvável que o governo consiga reavivar as massas para repetir um ato como o 7 de setembro.  A moral de Bolsonaro está tão baixa que o ministro Alexandre de Moraes — principal alvo dos ataques bolsonaristas — criou uma jurisprudência para condenar a prática de rachadinha, crime do qual dois dos filhos presidenciais são investigados. O recado do do vigilante e punidor é claro: se o TJ do Rio de Janeiro quiser prender Carlos Bolsonaro, o caminho está aberto. 

Depois de quase três anos de governo, estamos vacinados (metáfora inadequada…) quanto ao ciclo vicioso da gestão Bolsonaro, que sempre recua para então re-mobilizar sua base para avançar contra as instituições. A equação do Planalto se torna cada vez mais fraca, mas ele não conhece caminho diferente. Cada vez mais encurralado, vai declarar guerra novamente, com ares de marechal. À toa, lembremos. A guerra nunca parou, nem vai parar. Só o presidente se engana enquanto seus soldados morrem protegendo seus filhos…

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