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Eu ainda não digeri a história do senador com dinheiro em suas nádegas. Quando acordo, ligo a máquina de café e encho minha xícara, me vem à cabeça a imagem de Chico e suas cédulas. Espanto. No Über, rumo ao trabalho, me pergunto “mas ele colocou mesmo todo aquele dinheiro...naquele lugar?”. Faço cálculos sobre quanto dinheiro caberia, sobre os movimentos desesperados, sobre a anatomia do senador. Permaneço espantado. É uma imagem perturbadora.

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Na última quinta feira, me peguei debatendo com um porteiro sobre a psique do parlamentar. O que o levou a tentar esconder o dinheiro em seu traseiro? Seria aquele um refúgio válido em momento de desespero? Por que não atirou a grana pela janela? Ateou fogo? Por que não nas meias, embaixo do sofá? Seriam questões freudianas não resolvidas? Ele calculou os riscos? Foi uma decisão racional? Nos perdemos em devaneios — maldição dos tempos — e esquecemos de colocar as máscaras. De acordo com o prefeito, contaminamos milhões.

A discussão sobre o dinheiro sujo do senador nortista serve de abre alas para um debate maior, ainda que em parte prematuro: o destino corrupto da administração federal, agora rendida ao fisiologismo. Pois que ninguém aqui se iluda; não é possível repetir os mesmos erros esperando resultados diferentes. Deixar as chaves do cofre — leia-se as obras — nas mãos do centrão significa apenas permitir a este “ente”político a prática já usual de desvios e superfaturamento com dinheiro público. Aparelhamento e carguismo já estão na conta, vá lá. Mas corrupção braba, indecente, acontece ali.

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É interessante notar que os velhos partidos se aproximam dos velhos esquemas. O PL, de Valdemar da Costa Neto, destacou-se por tomar de assalto o DNIT e o setor de estradas e rodagens nos tempos de Dilma Rousseff. Lambuzou-se a ponto de ser considerado corrupto demais para os padrões do PT. No governo Bolsonaro, regressou ao poder — recuperando as mesmas posições. Levanto a questão: seria uma “vocação estradeira” do partido fisiológico ou a “espertise” — parafraseando Eduardo Bolsonaro — em praticar crimes nesta área?

O PP de Ciro Nogueira, amigão do presidente, é não apenas o fiador de Bolsonaro na Câmara; é também o partido a conduzir o destino dos investimentos do Pró-Brasil — em geral nas suas respectivas bases eleitorais — deixando em todos nós a seguinte dúvida: teria o protagonista do petrolão (sim, amigos, o PP deixou o PT no chinelo) mudado sua natureza? As obras que controlarão serão, digamos, alvo de um escrutínio ético diferenciado, por conta, talvez, dos olhos verdes de Bolsonaro?

A lógica é a mesma quando falamos do PSD de Fábio Faria ou do Republicanos de Marcos Pereira: são partidos cujo espírito republicano — permita-me a redundância — não abundam em seu DNA. Tornaram-se sócios de um governo que não acreditam, de um presidente que consideram tosco e imprevisível, por entenderem, dadas as condições atuais, que Bolsonaro precisa ceder para sobreviver. Foi esta a chave que lhes garantiu a adesão.

O pagamento de Bolsonaro se dá nas mais diversas formas. Vai desde o óbvio desmonte da lava-jato até o loteamento do governo. Passa pela nomeação de Kassio Nunes, mas aí não se encerra: tornou-se militante de um “retorno à normalidade” — leia-se perdão aos investigados — e passou a zombar de seus antigos militantes. Bolsonaro deixou clara sua submissão às regras que jurou combater (mero discurso) para, assim, gerar a tão aguardada confiabilidade junto aos seus novos parceiros.

O governo que se desenha segue os mesmos moldes dos governos petistas, mas com uma ressalva: o aparato de investigação do estado encontra-se fragilizado, sem “lavas-jatos” no horizonte. Analisando os últimos desdobramentos, é ainda pior: Bolsonaro tornou-se dono da Polícia Federal — a quem chama de “a minha pê-efe” —, e a utiliza, sem cerimônias, para atacar seletivamente seus adversários. Para quem deseja farra, funciona como convite.

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O presidente afirmou, recentemente, que daria uma “voadora no pescoço” dos corruptos. Soa risível para o leitor mais atento, mas o presidente não procura nem atentos nem leitores: quer, antes de tudo, confundir os desatentos. Enquanto entrega o estado brasileiro às velhas quadrilhas, Bolsonaro fará uso da Polícia Federal e de nacos da Lava-Jato — agora fieis ao presidente — para manter o espetáculo de pé. Será, como toda voadora, mais performance do que ação. Mas mantém o discurso, ao menos para os mais fiéis.

Enquanto aguardamos o desenrolar da história, permaneço aqui perdido em meus devaneios. O que levou Chico a fazer uso tão exótico das suas calças? Por que diabos ele escondeu dinheiro... lá? São perguntas sem resposta, caro leitor. Mais perguntas sem resposta num governo que, por excelência, deixou de responder seus eleitores.