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A estranha humanidade de Life is Strange

Life is Strange

Eu já cometi muitos erros na vida e, por muitas vezes, quis voltar no tempo para evitar cada um deles. Não consegui, então procurei me esconder da realidade para não encarar meu arrependimentos e encontrei na fantasia dos videogames o refúgio ideal. Só que não é possível fugir para sempre.

É curioso dizer isso sobre um jogo. Estamos tão acostumados a vê-los como puro entretenimento e estigmatizados como brincadeira de criança que chega a parecer exagero pensar que eles podem ir além. Mas Life is Strange conseguiu, com seu estilo simples e suas mecânicas criativas, entender algo que nem eu mesmo havia me dado conta sobre mim.

A razão para isso é simples: ele trouxe personagens tão humanos e  quebrados quanto eu para discutir questões que, por muito tempo, fingi não existir. A partir da história de uma menina que descobre ser capaz de voltar no tempo e usa isso para tentar consertar sua vida é que o game trouxe à tona tudo aquilo que tentei esconder embaixo do tapete.

É muito mais fácil viver outra vida do que encarar o que eu fiz com a minha. Eu posso tentar ajudá-los, me colocar em seu lugar, mas ainda há aquele distanciamento que me permite olhar de maneira menos passional a tudo o que acontece. É muito mais simples lidar com os dilemas dos outros do que com os meus — ainda que eles sejam os mesmos.

Isso faz com que não seja difícil projetar meus problemas naqueles que o jogo me apresenta. Afinal, Max Caulfield é tão quebrada quanto eu. Cheia de arrependimentos, inseguranças e incertezas, não é difícil se identificar com ela. E, a partir do momento em que ela descobre seu poder é que você passa a questionar o peso das suas próprias escolhas e o que poderia ter sido feito de diferente.

Assim como The Walking Dead, Life is Strange também é baseado num sistema de decisões e consequências que se torna parte fundamental nesse processo de identificação e autorreflexão. O roteiro do jogo valoriza as relações humanas que cria uma sensação de proximidade com aquele universo, fazendo com que você se sinta responsável por cada escolha e destino. É impossível não se ver em Max e, por isso, tentamos impedir que ela cometa os mesmos erros que nós — o que nos força a lembrar de tudo aquilo que não queremos encarar.
Max Caulfield, heroína de Life is Strange

Só que essa é a grande sacada do jogo: lembrar é voltar no tempo. Toda a mecânica de reconstruir momentos é apenas uma alegoria para nossas memórias e nossa inútil tentativa de recriar situações a fim de corrigi-las. E usar essa habilidade machuca a protagonista tanto quanto recordar de certas coisas ainda doem em nós.

A Dontnod já havia discutido isso em Remember Me, mas Life is Strange trabalha a questão de uma maneira muito mais delicada e humana. O jogo não é sobre a dependência que temos de muitas memórias, mas em como elas podem nos ajudar a seguir por um caminho diferente. Tanto que, mesmo com seu poder, Max se descobre tão impotente quanto qualquer um de nós, pois você não pode salvar uma vida apenas com lembranças.

Por outro lado, há toda uma poética por trás desse recurso de jogabilidade. Voltar no tempo também é permitir uma segunda chance. Eu posso não conseguir dar um Ctrl+Z na minha história, mas posso aprender a conviver com minhas decisões e suas consequências. No fim, é tudo sobre tentar de novo.

É claro que Life is Strange ainda tem muito mais a dizer. Ele trata de bullying, de abandono e de deslocamento. No entanto, foi ao falar sobre culpa e arrependimento que ele quebrou o meu refúgio e me tirou da bolha na qual eu me escondi. Ao olhar para a tela de um jogo, eu me vi e aprendi a lidar com meus demônios. Foi por ser humano que ele me alcançou e entendeu aquilo que eu mesmo negava sobre mim — e não há nada mais estranho do que isso.

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