Ações judiciais relacionadas com o Marco Civil da Internet serão julgadas em breve na corte suprema. O resultado pode ser uma versão piorada do horroroso projeto das Fake News, rejeitado pelo Congresso Nacional. O que foi rejeitado pelos representantes do povo pode ser imposto por via judicial.
Há alguns meses, as redes sociais foram tomadas por uma febre de memes que tinham como personagem o ministro da Fazenda. Vários veículos de mídia denunciaram os memes. Eu testemunhei jornalistas dizendo que “não se pode ter esse tipo de liberdade”. É isso mesmo: uma parte da “grande mídia” implorou ao Estado pela regulamentação de memes. Um país onde isso acontece é a própria definição de república de bananas. Eu tenho certeza de que esses “jornalistas” têm problemas digestivos, insônia e dificuldade de dormir à noite.
O momento que o Brasil vive é crítico. É o momento de lembrar, mais uma vez, que todas as tiranias sempre cultivaram o apoio de um círculo de intelectuais e juristas. Ditaduras não existiram sem lacaios para justificá-las
Um país assim é a caricatura de uma nação, pouco mais que uma patética abstração concebida nos laboratórios de marxismo das piores universidades. O Brasil está se tornando um meme.
“Regulamentação das redes” é a atual obsessão de políticos e autoridades cujo poder quase infinito é ameaçado por um simples meme. É também a ideia fixa de jornalistas que sempre ganharam a vida vendendo ao público um produto adulterado – uma mistura de ideologia, ignorância e subserviência – como se fosse informação. Eles não aceitam que cidadãos comuns possam dizer qualquer coisa nas redes, e nem que a postagem de uma tia do zap do interior de Goiás tenha mais audiência que o editorial de um jornal famoso.
A torcida pela “regulamentação” inclui também os ingênuos, gente que acha que, com a regulamentação, as postagens de mau gosto serão eliminadas das redes sociais, que passarão a publicar só coisas fofas e opiniões politicamente corretas. É evidente que não é isso que vai acontecer.
Se o Estado tiver o poder de determinar o que pode e não pode ser dito nas redes, adivinhe o que o Estado vai proibir? Críticas ao Estado, é lógico. Essa é a função da regulamentação das redes sociais: calar a dissidência. A dissidência hoje no Brasil é formada por dezenas de milhões de pessoas, de porteiros a cirurgiões, de ambulantes a juristas famosos. As redes sociais dão voz a esses dissidentes, aos rebeldes, aos que ousam duvidar dos poderes estabelecidos.
O advogado André Marsiglia, que entrevistei no meu programa Conexão Motta, na Jovem Pan, publicou um artigo recentemente no qual ele avisa: “A suspensão do X foi um laboratório para 2026. Foi um primeiro experimento de laboratório no qual nossa reação ao chicote moldaria a força da próxima chibatada”.
“E a reação foi doce e cordial”, completa Marsiglia. Na verdade, foi pior do que isso. Quando o X voltou do limbo autoritário no qual tinha sido jogado por uma decisão judicial quântica, uma jornalista veterana achou que era necessário fazer a seguinte postagem na rede: “Viram? Ninguém morreu de abstinência em 38 dias necessários para se cumprir a lei”. Os comentários feitos nessa postagem são uma aula de cidadania e consciência cívica, e ajudam a explicar a obsessão autoritária com “regulamentação”.
O primeiro comentário diz: “Qual lei autoriza a derrubada de um perfil inteiro sem precisar sequer justificar quais postagens infringiram a legislação brasileira – e fazê-lo sem apresentar nenhum prazo para julgamento e oportunidade para defesa?”
O segundo comentário foi do André Marsiglia: “Primeiro, ninguém morreu de abstinência quando o Pasquim foi censurado na ditadura, nem por isso [a censura] foi irrelevante. Segundo, toda censura judicial decorre da aplicação de uma lei. É uma aplicação irrazoável, portanto, censória. Ter de cumprir a lei pode ser uma forma de se submeter à censura”.
O terceiro comentário foi composto por perguntas: “Que lei eu deveria ter cumprido? Quando fiz parte do processo do X? Posso então incluir você em qualquer processo se eu achar que você merece?”.
Outros comentários foram “tá prontinha pra viver na Coreia do Norte. Passou no teste”, “depois não conseguem entender por que o jornalismo tradicional está merecidamente morrendo” e “jornalista defendendo censura e a aplicação ilegal das leis processuais é o fim da picada”.
A suspensão da rede social X não foi o único evento a provocar estranheza entre juristas e aqueles que defendem a liberdade e o Estado de Direito. Críticos apontam muitos atos e decisões judiciais recentes que violaram o princípio da reserva legal, uma cláusula pétrea da Constituição, que diz que não há crime sem lei anterior que o defina. Outras cláusulas como a separação de poderes e a imunidade parlamentar também caíram por terra. Foram quase diárias as violações do devido processo legal e do sistema acusatório: juízes instauram inquérito como se fossem delegados de polícia, juízes decretam prisão preventiva em casos nos quais ele ou sua família são vítimas, pessoas sem foro especial são julgadas em única instância na corte máxima, e pessoas que não são parte do processo são afetadas por decisões tomadas dentro dele (caso do X).
O momento que o Brasil vive é crítico. É o momento de lembrar, mais uma vez, que todas as tiranias sempre cultivaram o apoio de um círculo de intelectuais e juristas. Ditaduras não existiram sem lacaios para justificá-las. Esse apoio é bem remunerado. Só nos últimos dias, o governo federal anunciou mais uma distribuição milionária de recursos para a “cultura” – na verdade, para artistas e produtores amigos.
A corrupção da inteligência nacional custa mais caro do que o uso do dinheiro dos nossos impostos. Na semana passada, o Rio viveu um episódio grave: narcoterroristas, reagindo a uma operação policial, atiraram em cidadãos de bem que passavam pela Avenida Brasil. O governador Cláudio Castro denunciou o episódio como um ato terrorista. O gesto de ousadia do narcotráfico é fruto de um projeto de muitas décadas, que eu descrevo no meu livro A Construção da Maldade.
Esse projeto também é descrito, de forma diferente, pela mensagem que recebi de Valéria, uma cidadã brasileira. Ela disse:
“Motta, ninguém está falando sobre o absurdo lançamento, em um serviço de streaming, de um documentário em defesa dos líderes de facções. O documentário mostra as dificuldades das famílias dos criminosos presos. Em nenhum momento eles mencionam os crimes cometidos. Somente no final, nos créditos, colocam os nomes dos criminosos, deixando de mencionar que fazem parte de facções. No documentário aparecem figuras conhecidas, políticos e juristas, pregando o desencarceramento. É um escárnio”
Eu vi um trecho do documentário, até que tive náuseas e parei de assistir. No trecho que assisti antes de passar mal, um indivíduo, que se apresentava como ex-presidiário, contava, de forma comovente, como tinha conseguido reduzir sua sentença, que era inicialmente de 90 anos de prisão, para 20 poucos anos, apenas através da leitura de livros.
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