O melhor argumento contra a autoritária ideia de "regular" as redes sociais acaba de ser publicado. Ele tem 541 páginas e foi escrito pelo Congresso Americano. Seu título é: O Ataque à Liberdade de Expressão no Exterior e o Silêncio do Governo Biden – O Caso do Brasil. Muita gente classifica o documento como explosivo. É mesmo.
Trata-se de um relatório produzido por uma das comissões da Câmara dos Deputados dos EUA: a Comissão do Judiciário (Committee on the Judiciary). Ela foi criada em 1813 para tratar de legislação sobre Justiça. Sua missão inclui "examinar processos judiciais, tribunais e juízes federais". Não sei se o Congresso Nacional tem uma comissão como essa. Se não tem, pelo conteúdo do relatório, deveria criar uma imediatamente.
As redes são uma pedra no sapato dos poderosos em todo o mundo, mas especialmente no Brasil, onde o abuso de poder é a regra.
O relatório também tem a participação da Subcomissão Especial Sobre a Utilização do Governo Federal como Arma (Select Subcommittee on the Weaponization of the Federal Government). Prestem atenção ao nome.
O relatório tem uma introdução de oito páginas. O resto é um apêndice com documentos judiciais brasileiros. Segundo o site da Comissão, o relatório “expõe a campanha de censura do Brasil e apresenta um estudo de caso surpreendente de como um governo pode justificar a censura em nome do fim do chamado discurso de “ódio” e da “subversão” da “ordem”.
O relatório aponta diversas iniciativas do governo de Joe Biden que também atacam a liberdade de expressão e critica o silêncio do governo americano em relação ao que está acontecendo no Brasil. Segundo documentos publicados na rede social X (antigo Twitter), a Comissão do Judiciário também teria solicitado ao governo federal americano toda a comunicação trocada entre o Departamento de Estado americano e o governo brasileiro, relativa a decisões de cortes superiores.
As redes sociais deram voz ao cidadão comum. As redes são uma pedra no sapato dos poderosos em todo o mundo, mas especialmente no Brasil, onde o abuso de poder é a regra. Essa é a razão dos esforços, legais e ilegais, para censurar – que eles chamam de "regular" – as redes. O relatório americano explica isso:
O trabalho da Comissão e da Subcomissão Especial mostrou que a censura governamental que começa com um propósito declarado de combater a suposta “má informação” ou “desinformação” inevitavelmente se transforma em instrumento para silenciar oponentes políticos e pontos de vista que desagradam aqueles atualmente no poder.
O relatório americano descreve, com precisão e riqueza de detalhes, todo o processo de surgimento da censura judicial no Brasil. Lá está, por exemplo, o grotesco episódio dos empresários que sofreram operações de busca e apreensão em suas casas e tiveram suas contas bancárias congeladas por comentários feitos em um grupo privado de Whatsapp.
O relatório fala do caso Elon Musk, da forma como a rede X foi forçada a bloquear contas, menciona a declaração de Musk de que ia retirar todas as restrições e bloqueios, e relata sua consequente – e juridicamente inexplicável – inclusão no inquérito das “milícias digitais”. Foi esse fato – a inclusão de um cidadão americano em um inquérito polêmico apenas por suas declarações – que levou a Comissão do Judiciário a intimar a rede X a entregar toda a documentação sobre o caso.
O relatório é um documento triste. É a fotografia, tirada pelo Congresso americano, daquilo que o Brasil se tornou: uma república de bananas jurídicas, onde decisões arbitrárias e sem nexo transformaram tribunais em órgãos políticos inimigos da liberdade – principalmente a liberdade de expressão.
Segundo o relatório, desde 2022 a rede X recebeu ordens para suspender ou remover 150 contas de críticos do governo brasileiro, incluindo parlamentares, jornalistas e juízes – "qualquer um que criticasse o governo esquerdista", dizem os congressistas americanos. O relatório ainda afirma que hoje já passam de 300 as contas que o governo brasileiro está tentando censurar. Elas incluem as contas do deputado federal Marcel van Hattem, dos escritores Guilherme Fiuza, Rodrigo Constantino e Flávio Gordon, da juíza Ludmila Lins Grilo e do procurador de justiça Marcelo Rocha Monteiro.
Mas o número real de vítimas da censura nas redes deve chegar a milhares. Inúmeras outras pessoas, anônimas em sua maioria, tiveram contas bloqueadas.
O relatório americano termina com um aviso:
O Congresso deve levar a sério os casos do Brasil e de outros países que buscam suprimir a liberdade de expressão na internet. Não devemos pensar que isso nunca pode acontecer aqui. A Comissão e a Subcomissão continuarão a investigar, realizar audiências e propor legislação para proteger a liberdade de expressão na internet e responsabilizar aqueles que violam as liberdades fundamentais garantidas pela Primeira Emenda aos americanos.
“Os ataques à liberdade de expressão no estrangeiro servem de alerta para a América”, diz o relatório. “Agora, mais do que nunca, o Congresso deve agir para cumprir o seu dever de proteger a liberdade de expressão”.
Isso foi dito pelo Congresso Americano. Agora é a vez de o Congresso Nacional se pronunciar.