Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Roberto Motta

Roberto Motta

Vida e morte

Como se fosse o último dia

(Foto: Jônatas Dias Lima com Dall-E)

Ouça este conteúdo

Já fui jovem. Foi uma grande aventura. Hoje estou ficando velho. A aventura continua. Sei que, um dia, ela será interrompida, lentamente ou de forma súbita. É do jogo. Enquanto isso, amo a vida por inteiro. 

Nunca conheci uma época perfeita, um tempo em que as pessoas dissessem “agora está tudo bem”. O Brasil em que vivo sempre esteve à beira do precipício, perto de virar um hospício ou, de acordo com os profetas de sempre, próximo da destruição. Estaria rico se tivesse recebido um real cada vez que ouvi a frase “o Brasil acabou”.    

Não tive uma vida fácil, uma vida em que as coisas estavam garantidas. Riscos e fracassos sempre me rondaram. Aprendi relativamente cedo que vivemos entre lobos e que a maior parte do nosso trabalho é roubado para sustentar esquemas privados e estatais. Isso nunca me impediu de tentar ser feliz e de ser bem-sucedido várias vezes. 

Sou feliz.

Estaria rico se tivesse recebido um real cada vez que ouvi a frase “o Brasil acabou”

Sinto decepcionar os palestrantes motivacionais e coachs, mas nunca tive exatamente um plano para a minha vida. Nunca tive um mentor. Contei com o poderoso exemplo do meu pai. Com ele aprendi os fundamentos de uma existência justa e com significado. Mas jamais planejei em detalhes o que iria ser quando crescesse. Não afirmo que isso é a coisa certa e nem posso recomendar essa estratégia, mas minha vida foi, em grande parte, uma coleção de acasos, acidentes e incidentes. A maioria deles, graças a Deus, felizes. Mas nem todos. Como todo habitante deste vale de lágrimas passei por períodos em que perdi a esperança e acreditei que estava em um beco sem saída. Até que, sem que eu soubesse exatamente como, os becos viravam avenidas.  

Como todo o cidadão da modernidade incorporei o espírito da minha época: pensei pensamentos e senti sentimentos ordenados pelos formadores de opinião. Muitas de minhas decisões, boas e ruins - mas principalmente ruins - foram influenciadas pelo consenso genérico criado e promovido pela mídia, por atores e músicos, e principalmente pelos intelectuais.  

Esse tempo acabou. Caí fora do consenso. 

Hoje eu mesmo guio minha vida. 

Se houve uma coisa constante na minha trajetória foi o desejo – frequentemente inarticulado e inconsciente - de formar uma família. Muito antes de ser pai eu já ouvia os chamados dos meus filhos, vindos daquele lugar onde ficam as crianças que ainda não nasceram. Depois de uma procura longa encontrei aquela que seria minha mulher. Meus filhos, puderam, finalmente, nascer. A brava Paula Schmitt certa vez disse uma coisa linda: se eu tivesse um filho esqueceria todo o resto. Esse pensamento me trouxe lágrimas aos olhos. Me sinto assim. 

A morte, que já levou meus pais e muitos amigos, tem sido professora. Ela é a medida contra a qual eu avalio alegrias e agonias. Vida é o intervalo entre a não-existência anterior ao nascimento e o desconhecido território pós-morte do qual ninguém jamais retornou.

Meu próximo livro falará da morte do meu pai. Morte é incompreensível. É o terror maior. O segundo deve ser a solidão. Temo que a morte possa ser solidão eterna.  

A fé me serve de consolação até certo ponto. A morte permanece um enigma. Se ela é uma porta de entrada para outro plano, ou apenas uma nova fase de uma existência que jamais se extingue, preciso ser honesto e admitir que tudo isso ainda está longe da minha compreensão. 

Prefiro agir como mortal e aproveitar cada dia como se fosse o último.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Tudo sobre:

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.