Qualquer pessoa que tenha ouvido os discursos, declarações e ameaças, vindas de autoridades do novo velho governo federal, direcionadas aos proprietários de armas, pode imaginar que o Estado resolveu levar a sério a ameaça da criminalidade armada.
Mas essa pessoa estaria enganada.
O Estado brasileiro continua sem qualquer estratégia ou projeto nacional para desarmar os exércitos do narcotráfico que controlam as periferias de quase todas as grandes cidades. Como explico no meu livro A Construção da Maldade: Como ocorreu a destruição da segurança pública brasileira esse deixou de ser um problema de combate ao crime e passou a ser uma questão de segurança nacional.
Mas, enquanto o atual regime declara guerra aos cidadãos que adquiriram uma arma legalmente, os narcotraficantes continuam armados até os dentes, e fica cada vez mais difícil combatê-los.
Se um cidadão comum for flagrado com um fuzil as consequências podem ser terríveis. A história é outra se o fuzil estiver nas mãos de um traficante. É uma assimetria de fácil constatação.
Em nosso país prevalece a tendência de impor aos criminosos violentos as penas mínimas previstas em lei. É o que o Procurador de Justiça Adriano Alves-Marreiros chama de fetiche da pena mínima, provavelmente uma consequência da ideia marxista de que o criminoso é um pobre coitado, ou um revolucionário de vanguarda que anuncia uma nova era de justiça social. De fuzil na mão.
O Estado brasileiro continua sem qualquer estratégia ou projeto nacional para desarmar os exércitos do narcotráfico que controlam as periferias de quase todas as grandes cidades
Por isso, embora a lei diga que a pena para o crime de associação ao tráfico de drogas – no qual os traficantes são enquadrados – deva ser de 3 a 10 anos de prisão, com um aumento adicional, que varia entre 1/6 e 2/3 da pena em razão do uso de armas, as sentenças, geralmente, são fixadas em pouco mais de 4 anos.
Essa é a sentença para um criminoso que enfrentou a polícia usando uma arma de guerra. Mas a história não acaba aqui: no confuso emaranhado da legislação penal brasileira, que inclui benefícios como a progressão de regime, isso significa que o traficante do fuzil pode ficar menos de 2 anos efetivamente preso, antes de passar para o regime semiaberto (também conhecido como sempreaberto pela liberdade de ação que dá aos criminosos). É possível até que ele seja encaminhado diretamente para o semiaberto.
Recapitulando: um sujeito cuja ocupação é vender substâncias que causam dependência química, e que tem em seu poder um fuzil, carregadores e munição, depois de preso em flagrante pela polícia, em uma operação extremamente arriscada - e geralmente criticada pela mídia - tem como punição o equivalente jurídico a uma bronca.
Menino feio, não pode mais sair de fuzil por aí, entendeu?
A mensagem que o Estado brasileiro passa aos narcotraficantes é clara: pode “trabalhar” tranquilo que o risco para você é muito baixo.
Se um cidadão comum for flagrado com um fuzil as consequências podem ser terríveis. A história é outra se o fuzil estiver nas mãos de um traficante
Se exemplos ajudam, segue um caso exemplar: um traficante preso com um adolescente, portando duas armas de guerra, no Morro da Serrinha no Rio de Janeiro. Vejamos o que diz a Lei Antidrogas (Lei 11.343 de 2006):
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se
[...]
IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;
[...]
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;
Ou seja, o crime foi cometido com dois fatores agravantes da pena: o envolvimento de adolescente e o uso de arma de fogo. Apesar disso, a sentença inicial foi de 4 anos e 7 meses. Algum tempo depois a pena foi reduzida para 3 anos e 7 meses no regime semiaberto.
Um indivíduo, no Brasil, que comete um homicídio qualificado - provavelmente o pior tipo de crime - pode conseguir uma progressão para o regime semiaberto a partir de quatro anos de cumprimento de sentença. Se ele cometer o mesmo crime em democracias como Itália, Alemanha ou França será condenado à prisão perpétua. Se o crime tiver ocorrido nos Estados Unidos a sentença será prisão perpétua ou morte.
A chave para tirar o Brasil dessa crise sem fim é trabalhar com as ideias certas. A primeira delas é a de que o crime não pode, em hipótese alguma, compensar. Somos campeões mundiais de criminalidade porque somos campeões mundiais de impunidade. Aqui impera a complacência com criminosos. A causa é a ideologia. Ela fica evidente na obsessão em restringir armas legais de cidadãos enquanto as armas de guerra do narcotráfico são ignoradas.
É evidente que essa combinação de legislação fraca com aplicação complacente funciona como um incentivo aos criminosos. Foi com essa explicação que o americano Gary Becker ganhou o prêmio Nobel de economia em 1992.
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