A última eleição para governador do Rio de Janeiro foi disputada por um candidato de esquerda conhecido por suas críticas à polícia e pela defesa da descriminalização das drogas. Eu fiz uma previsão: antes que a campanha termine, ele irá à missa, renunciará às drogas e vestirá o uniforme da polícia militar. Das minhas três previsões, errei apenas uma. Um fenômeno parecido foi observado na última eleição para prefeito de São Paulo, quando um candidato – também da esquerda – que construiu uma reputação como ativista radical tentou, sem muito sucesso, se posicionar como um candidato de “centro”.
Mas o que é ser um político “de centro”? E já que estamos falando disso, o que é ser “de direita” ou de “esquerda”? Jair Bolsonaro é o maior fenômeno político brasileiro das últimas décadas. Para reconhecer isso não é preciso gostar de Bolsonaro, nem achar que ele é perfeito. Basta observar a realidade. Bolsonaro é um fenômeno de comunicação. No Brasil, poucos políticos e autoridades podem andar pelas ruas despreocupados. Bolsonaro anda, e por onde vai ele atrai multidões.
Esse é um dos aspectos do fenômeno Bolsonaro.
O outro aspecto, que ainda não é devidamente reconhecido, tem a ver com seu período como presidente, de 2019 a 2022. O governo de Jair Bolsonaro, que teve Paulo Guedes no Ministério da Economia, foi o primeiro, do qual eu tive conhecimento, que aplicou o ideário conservador e liberal. Ele enxugou a máquina do Estado, reduziu impostos e privatizou um terço das empresas estatais. A orientação geral da política econômica foi a de reduzir a burocracia, o peso e o protagonismo do Estado, dando liberdade e protagonismo à iniciativa privada e aos cidadãos.
Muita gente acha que o debate sobre esquerda e direita é uma tolice que não leva a nada. Estão profundamente enganados. A forma como você enxerga o mundo determina a forma como você governa um país, um estado ou uma cidade
O governo Bolsonaro foi o primeiro – que eu me lembre - que defendeu o direito do cidadão de ter armas para se defender de criminosos e proteger sua liberdade. Aliás, não me lembro de ter ouvido outro presidente usar tantas vezes a palavra liberdade. O governo Bolsonaro foi também o primeiro desde a redemocratização que terminou gastando menos do que gastava quando começou. Isso não é opinião. São fatos.
As realizações do governo de Jair Bolsonaro são importantes não apenas porque apontam o caminho da prosperidade, mas porque são consequência direta das ideias professadas pelo presidente. Ideias de direita. Ideias têm consequências. Ideologias – como comunismo ou socialismo – têm consequências nefastas porque, como disse o escritor americano George Packer, a ideologia já tem a resposta antes que a pergunta seja feita.
É importante lembrar isso agora, quando parece haver uma disputa entre políticos sobre qual deles representaria melhor a direita. Não é suficiente o político dizer “sou de direita”. É preciso que tudo o que ele fez até agora, e a sua história política, sejam coerentes com as ideias que a direita prega.
Muita gente acha que o debate sobre esquerda e direita é uma tolice que não leva a nada. Estão profundamente enganados. A forma como você enxerga o mundo determina a forma como você governa um país, um estado ou uma cidade. Determina também como você faz, interpreta e aplica leis, como conduz as relações internacionais e até sua disposição moral de condenar criminosos por seus atos ou de considerá-los “vítimas da sociedade”.
O núcleo do pensamento de esquerda é a ideia de que o Estado tem que ser grande, gastar muito e resolver tudo. Para a esquerda o indivíduo deve ser totalmente subordinado ao governo que, na busca por uma certa justiça social, deve interferir em todos os aspectos da vida privada. Ao indivíduo cabe pagar impostos e servir ao Estado.
O núcleo do pensamento de direita é o oposto. Para conservadores e liberais, o indivíduo é soberano e a função essencial do Estado é garantir os direitos do indivíduo, apenas isso - todas as outras atividades devem ficar com a iniciativa privada.
Não é correto dizer que a “maioria das pessoas não é de esquerda e nem de direita”. A maioria dos brasileiros é a favor de punição rigorosa para criminosos, e isso é uma pauta de direita. A maioria dos brasileiros é a favor da redução de impostos, novamente uma pauta fundamental da direita. A maioria dos brasileiros é contra a liberação das drogas - e liberação das drogas é um item essencial da pauta de esquerda.
O sociólogo holandês Gert Hofstede tem um trabalho clássico sobre cultura, que analiso no meu livro Jogando Para Ganhar. Hofstede demonstrou que os valores da classe média e dos pobres são valores de direita. Só os ricos podem se dar ao luxo de defender o radicalismo revolucionário da esquerda.
Ideias têm consequências. Aqueles que preferem ignorar isso se refugiam em uma posição política batizada de “centro”. Mas o que é ser “de centro”? Se a esquerda quer cobrar impostos altíssimos, e a direita quer reduzir a carga tributária, o que deseja o político de “centro”? Manter os impostos como estão? Mas a carga tributária do Brasil é elevadíssima – maior do que a dos Estados Unidos.
A esquerda quer liberar as drogas. A direita quer manter a proibição. Qual é a posição “de centro” nessa questão? Liberar até 40 gramas de maconha?
A verdade é que, como a esquerda atingiu a hegemonia na cultura, no ensino, no entretenimento, na mídia e na intelectualidade, boa parte do que passa hoje por senso comum consiste, na verdade, de ideias de esquerda. Isso faz com que boa parte das posições “de centro” sejam, na verdade, posições de esquerda.
Por isso é preciso ter cuidado com termos como “centro-direita”, que significam coisas diferentes para pessoas diferentes, ou não significam nada. “Centro”, no Brasil, se tornou um passe livre para o político flex, aquele que apoia qualquer ideia ou política pública, independente das consequências, desde que lhe seja politicamente conveniente.
Esse é o “centro” da questão.
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