Às 3h20 da manhã do dia 13 de março de 1964, Kitty Genovese, uma gerente de bar de 28 anos, retornava do trabalho para sua casa. Ela parou seu Fiat vermelho em um estacionamento próximo à estação ferroviária de Kew Gardens, uma região do bairro de Queens, em Nova York. Depois de trancar o carro, Kitty caminhou em direção ao seu apartamento, que ficava a 30 metros de distância.
Enquanto caminhava, ela notou um homem do outro lado do estacionamento que olhava para ela. Assustada, Kitty apressou o passo e decidiu ir a uma cabine telefônica da polícia localizada próximo dali. Mas, antes que conseguisse alcançar a cabine, o homem a agarrou. Ela gritou e seu grito ecoou pela noite. Luzes se acenderam em apartamentos da rua e algumas janelas se abriram. A voz de Kitty é ouvida de novo. Dessa vez, ela grita “Meu Deus, ele me esfaqueou! Por favor me ajudem! Por favor me ajudem!”.
Esse fato, a existência de criminosos doentios, cruéis e irrecuperáveis, ainda não é compreendido e nem aceito pelos arquitetos do sistema de justiça criminal brasileiro.
De um dos apartamentos vêm os gritos de um homem: "Deixe essa garota em paz!". O criminoso foge e Kitty fica sangrando, caída no chão. As luzes dos apartamentos se apagam. Kitty se arrasta, tentando chegar ao seu prédio. O criminoso volta e, mais uma vez, a esfaqueia. Kitty grita: "Estou morrendo! Estou morrendo!". Luzes acendem-se novamente, algumas janelas de apartamentos são abertas. O agressor de Kitty entra em um carro e vai embora.
Enquanto Kitty se levanta com dificuldade, um ônibus passa a caminho do Aeroporto Kennedy. Agora são 3h35 da manhã. Kitty consegue chegar à entrada do seu prédio, mas cai ao pé da escada. O homem retorna, a esfaqueia repetidamente e a estupra.
O assassinato de Kitty Genovese foi noticiado em apenas cinco frases, que apareceram na página 26 do jornal The New York Times. Mas, duas semanas depois, a história reapareceu em um grande artigo de primeira página. Por quê? Para espanto de todos os Estados Unidos, segundo a matéria do jornal, a investigação policial revelara que nada menos do que trinta e sete “cidadãos respeitáveis e cumpridores da lei” testemunharam o assassinato, mas nenhum deles telefonou para a polícia durante o crime (The Psychology of Judgement and Decision Making, de Scott Plous).
A polícia só recebeu a primeira ligação meia hora depois que Kitty começou a ser atacada. Em outras palavras, o criminoso teve tranquilidade para atacar sua vítima durante trinta minutos, enquanto ela gritava por socorro, mas nenhum dos trinta e sete vizinhos que testemunharam seu assassinato veio em seu auxílio, ou sequer teve a iniciativa de ligar para a polícia.
Isso é, essencialmente, tudo o que você precisa saber sobre a origem da crise de criminalidade sem fim deste país.
Esse crime chocou o país e, entre outras coisas, apressou a implantação nacional do sistema 911 (equivalente ao nosso 190) para recebimento centralizado de chamadas à polícia. Mas há outros aspectos importantes dessa história.
O assassino de Kitty Genovese foi Winston Moseley, que tinha 29 anos na época, também morava no Queens e trabalhava em uma empresa de tecnologia. Moseley era casado, tinha três filhos e não tinha antecedentes criminais. Segundo ele o motivo do ataque foi simplesmente o desejo de “matar uma mulher”. Ele preferia mulheres porque “eram mais fáceis e não reagiam”. Ele viu Kitty voltando para casa e a seguiu de carro até o estacionamento. Ele confessou ter assassinado e estuprado outras duas mulheres e cometido quarenta assaltos.
Moseley foi condenado à morte, mas a sentença foi reduzida para prisão perpétua. Um ano depois, ele escapou da prisão agredindo um policial penal e roubando sua arma; então Moseley invadiu a residência de um casal, amarrou o homem e estuprou a mulher. Depois de invadir outra casa e manter uma mulher e sua filha como reféns, ele se rendeu.
Na prisão, ele estudou e se formou em sociologia. Em 1984, Moseley se tornou elegível para livramento condicional. Apesar de ter participado de várias audiências com o conselho de liberdade condicional, seus pedidos sempre foram negados. Moseley nunca mostrou remorso pelo assassinato de Kitty Genovese. Ele fez dezoito pedidos de liberdade condicional, todos negados.
Moseley tinha 81 anos de idade quando morreu na prisão. Ele cumpriu uma pena de 52 anos, o que fez dele um dos presos mais antigos do país. Ele era claramente um psicopata, sem lugar na sociedade. Se tivesse sido solto, é evidente que voltaria a cometer crimes terríveis. Esse fato – a existência de criminosos doentios, cruéis e irrecuperáveis, que precisam ser mantidos isolados dos cidadãos de bem – ainda não é compreendido e nem aceito pelos arquitetos do sistema de justiça criminal brasileiro.
Observem a punição que a sociedade americana considerou adequada a um estuprador assassino. Se esse crime tivesse acontecido no Brasil, dificilmente o criminoso teria ficado mais do que dez anos preso, e teria direito a “benefícios” como a “progressão de regime”, “visitas íntimas” e “saidinhas”.
Isso é, essencialmente, tudo o que você precisa saber sobre a origem da crise de criminalidade sem fim deste país.
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