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Roberto Motta

Roberto Motta

O hábito da ira

(Foto: Unsplash)

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A covardia é um dos hábitos mais antigos dos poderosos. Outro hábito é a ira. No seu livro As Histórias, o grego Heródoto fala de um rei que formou uma expedição para atacar inimigos. Um de seus súditos, que tinha dois filhos, foi pedir ao rei que só enviasse um dos rapazes à guerra, de forma a preservar sua descendência. Furioso, o rei ordenou a um general que matasse justamente o filho que o pai pedira que fosse poupado. O rei determinou que o corpo fosse dividido em dois e que uma metade fosse colocada de cada lado da estrada por onde passaria seu exército, para que servisse de exemplo. Isso aconteceu há mais de 3 mil anos. A natureza do poder continua a mesma.

Francis Oppenheimer descreve a formação do Estado como o resultado de uma covardia essencial: tribos de pastores, transformados em guerreiros nômades, atacaram tribos de agricultores, incapazes de se defender. Os agricultores se tornam servos e os guerreiros formam a aristocracia. Essa teoria encontra amplo amparo na evidência histórica. Segundo Oppenheimer, nunca houve uma sociedade onde o Estado fosse criado de outra forma.

Se você, cidadão comum, se sente cada vez mais explorado por um mecanismo que o tritura e cuspe fora, você está correto.

Política é um esforço para adquirir, aumentar e preservar poder. Todo o resto é acessório. A compreensão desse fato ajuda a desfazer muitas ilusões do homem moderno e significa um impulso para o pensamento liberal e libertário, que pregam um Estado tão pequeno quanto possível.

Se o processo descrito por Oppenheimer é verdadeiro, as justificativas para a existência do Estado foram produzidas depois de sua violenta criação. Uma vez que os guerreiros, transformados em nobreza, estavam sentados em seus castelos seguros, e recebendo dos agricultores uma parte do que eles produziam, foi necessário criar uma narrativa que justificasse moralmente essa exploração. A narrativa que foi criada é aquela que é ensinada hoje a qualquer aluno do sistema de ensino ocidental, e que é composta essencialmente por duas ideias. A primeira é que o Estado é uma entidade criada para cuidar das pessoas, e a segunda é que imposto é uma contribuição voluntária que fazemos para que o Estado cuide de todos.

São mentiras. Segundo Oppenheimer, o Estado é resultado da submissão de produtores – trabalhadores – pela força das armas. Imposto é a parte da nossa produção que nos é retirada sob a ameaça da força.

Oppenheimer diz que existem duas formas de satisfazermos nossas necessidades. A primeira forma é trabalhar, ou seja, oferecer a alguém um produto ou um serviço – que pode ser nossa mão-de-obra – e receber em troca o que nós necessitamos. Ele chama isso de forma econômica de ganhar a vida.

O capitalismo – a economia de livre mercado – é a luz no fim desse túnel do qual a humanidade precisa sair.

A outra forma de ganhar a vida é usar a força ou a ameaça de força para retirar das pessoas uma parte do que elas têm. Oppenheimer chama isso de forma política.

A distinção feita por Oppenheimer é aplicável tanto no sistema capitalista quanto no sistema socialista. Nos dois sistemas existe uma elite que, de uma forma ou de outra, controla as chaves do poder político e vive muito bem extraindo riqueza da maioria da população. A diferença entre o capitalismo e o socialismo é que no capitalismo essa é uma prática condenada, enquanto no socialismo a exploração de muitos por poucos foi elevada a categoria de filosofia sob o nome perverso de “justiça social”. O fim da desigualdade”, prometido pelos socialistas, significa apenas que a maioria será formada por pessoas iguais na pobreza e na submissão à exploração pela nomenklatura.

O poder de viver explorando o trabalho de outras pessoas vale muito. Por isso, boa parte da história consiste de tentativas feitas por grupos de tomar e manter esse poder – sempre, é claro, com as melhores justificativas.

O capitalismo é uma forma econômica de ganhar a vida, completamente oposta à forma política de explorar o trabalho alheio.

Embora sua gênese original tenha como base a usurpação, isso não quer dizer que o Estado não desempenhe funções úteis, como garantir a segurança pública e a defesa externa, ou prover serviços básicos de ensino, saúde e justiça. Mas, como observa Oppenheimer, mesmo em culturas que não tinham um Estado formal – como as tribos indígenas norte-americanas – as funções de dispensar justiça e ensinar as crianças eram realizadas pela sociedade.

Se o Estado, como o conhecemos, desaparecesse amanhã, não é inconcebível que a própria sociedade escolhesse entre os seus homens corajosos e sábios aqueles que iriam garantir a segurança e arbitrar os conflitos. Da mesma forma, na maior parte da história o ensino acontecia em casa ou em encontros organizados pela igreja, por filósofos ou outros membros da sociedade. A escola estatal é fenômeno recente.

A única função na qual o Estado moderno não pode ser substituído é na guerra. É improvável a ocorrência de guerras na escala e na violência que conhecemos desde o início do século XIX sem que houvesse um Estado que as organizasse. Milhões de jovens franceses jamais decidiriam, voluntariamente, matar milhares de jovens alemães, e vice-versa. É preciso uma máquina estatal que doutrine, treine, arme e comande os exércitos que tornaram possíveis matanças nessa escala.

Oppenheimer explica que o único objetivo da guerra é conseguir o direito de explorar o trabalho de um grupo adicional de produtores: os habitantes das regiões conquistadas. A ironia é que os guerreiros originais, há muito tempo transformados em aristocratas, não lutam mais. Quem combate nas guerras agora são os filhos daqueles que, muito tempo atrás, foram reduzidos à submissão e à exploração. Além de entregar uma boa parte dos frutos do seu trabalho, eles agora também fornecem o sangue de seus filhos.

O que Oppenheimer diz é o seguinte: se você, cidadão comum, se sente cada vez mais explorado por um mecanismo que o tritura e cuspe fora, você está correto. Talvez tenham te enganado dizendo que esse mecanismo é fruto da “exploração capitalista”. A verdade é justamente o contrário: o capitalismo é uma forma econômica de ganhar a vida, completamente oposta à forma política de explorar o trabalho alheio. O capitalismo – a economia de livre mercado – é a luz no fim desse túnel do qual a humanidade precisa sair.

Nesse meio tempo, o conhecimento da verdadeira história do Estado e de seus objetivos nos ajudarão a evitar a armadilha – criada e sustentada pela mídia, pelo sistema de ensino e pela burocracia estatal – que apresenta o Estado como “solução”, em vez de fonte da maioria dos nossos problemas.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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