Plenário do STF na sessão desta quarta (27), quando começou o julgamento do Marco Civil da Internet| Foto: Antonio Augusto/STF
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Há muito tempo o carvão é usado como combustível. Em geral, ele é retirado de minas cavadas profundamente na terra. É uma atividade cheia de perigos. Um deles é a existência de gases tóxicos, sem cheiro, que podem envenenar os trabalhadores. Para evitar que isso acontecesse foi criado um sistema de alerta surpreendentemente simples. Passou-se a usar pássaros – canários – para alertar os trabalhadores sobre a presença de gases tóxicos. Os canários eram os primeiros a morrer envenenados pelo gás na mina. Enquanto o canário estava cantando, os mineiros estavam seguros. Quando não se ouvia mais o canto, era hora de fugir.

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O desejo – mal disfarçado com argumentos porosos sustentados em juridiquês claudicante – é que as redes sociais atuem preventivamente como polícia política de pensamento

A expressão canário de mina passou a ser usada como uma metáfora para indicar algo que funciona como alerta para um perigo grave e invisível. As redes sociais são um canário de mina.

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No Brasil, qualquer decisão ou ato pode ser revisto e modificado, a qualquer momento, às vezes em uma direção oposta à original. Isso não é razoável. Sentenças e leis que já foram decididas, aprovadas, confirmadas, carimbadas, juramentadas e transitadas múltiplas vezes em julgado estão sempre sujeitas a ser revistas de forma aleatória, arbitrária, imprevisível e – muitas vezes – com efeitos retroativos.

Talvez não se trate mais de insegurança jurídica. Talvez seja outro paradigma. A necessidade de uma ordem jurídica pode ter se tornado obsoleta, e sido substituída pela aplicação de sentimentos voláteis, indefinidos e fluidos. Seria uma forma inteiramente nova de pensar o Direito. É a doutrina Tim Maia: esquece a lei e faz o que o seu coração mandar.

O cidadão tem receio de abrir os jornais e ler as últimas declarações dos custodiantes da ordem. A vítima da vez é o Marco Civil da Internet, uma legislação que custou um esforço enorme do Estado brasileiro e que é considerada exemplo internacional de regulação do ambiente on-line.

Inexplicavelmente, essa lei está sendo rediscutida. O desejo – mal disfarçado com argumentos porosos sustentados em juridiquês claudicante – é que as redes sociais atuem preventivamente como polícia política de pensamento, garantindo que nenhum material seja publicado se houve uma remota possibilidade de que ele ofenda a sensibilidade mercurial de poderosos.

Quase todas as redes sociais já têm seu departamento de censura. Elas sempre atuaram para suprimir, de uma forma ou de outra, manifestações divergentes da hegemonia progressista, usando shadowbans, desmonetização ou até cancelamento – o exílio virtual. Ainda assim, o pensamento liberal e conservador domina as redes.

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Desesperadas com a pobreza de suas ideias, ignorantes dos fundamentos do mundo moderno e viciadas nas ferramentas do arbítrio e da violência, as forças políticas de esquerda recorrem ao tapetão na esperança de recuperar o tempo e o eleitor perdido. Mas essa “regulamentação” de redes que já são regulamentadas não passa de censura. E de um tipo especialmente rudimentar e tacanho, fundamentado em vaidade e ignorância.

Todos os conflitos gerados pelo uso de redes já podem ser tratados aplicando-se a legislação existente: a Lei Geral de Proteção de Dados, o Marco Civil da Internet e outras leis que definem inúmeras condutas como crimes. O resto é ativismo judicial, usurpação de competências, supressão de direitos e aumento da insegurança.

A liberdade de dizer o que se pensa nas redes é o canário na mina. Morto o canário, restará apenas o silêncio – e a sensação da ameaça invisível e cada vez mais próxima.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]