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Roberto Motta

Roberto Motta

Maconha: quando o impensável se torna possível

(Foto: Freepik)

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A descriminalização das drogas volta ao debate. Drogas – maconha em especial – fazem parte da “cestinha ideológica” que todo militante progressista é obrigado a carregar e defender. Não me perguntem por que a esquerda tem essa obsessão por entorpecentes. Não há exatamente uma explicação – apenas hipóteses.

Uma delas é a ampliação da política de pão e circo para pão, circo e maconha. Outra hipótese é que a defesa das drogas serve como ferramenta de recrutamento de jovens – assim a esquerda se apresenta como “descolada” em oposição à direita careta. Ou talvez a obsessão da esquerda por drogas seja apenas uma extensão natural da simpatia que os progressistas nutrem por criminosos, sempre caracterizados como oprimidos ou potenciais revolucionários.

O fato é que, para tristeza dos progressistas e felicidade geral da nação, a maioria da população brasileira rejeita as drogas.

É evidente que a defesa das drogas nada tem a ver com liberdade. Não há forma maior de degradação do que a dependência química. O fato é que, para tristeza dos progressistas e felicidade geral da nação, a maioria da população brasileira rejeita as drogas. Provavelmente, 99% dos pais e mães desejam que seus filhos nunca cheguem perto de drogas. A razão é óbvia, e conhecida mesmo – ou principalmente – pelas pessoas mais humildes: drogas são o caminho da dependência, dos distúrbios psiquiátricos, do crime e da pobreza.

Ninguém decide começar a consumir maconha pensando em sucesso profissional ou estabilidade familiar. Ninguém diz: “Vou cheirar uma carreira de cocaína porque isso aumenta minha chance de ter uma vida próspera e bem-sucedida”.

A defesa da “descriminalização” – ou “liberação”, ou “regulamentação” (esses termos são usados de forma intercambiável e sem qualquer compromisso com significado) – usa argumentos improváveis que não resistem ao mais leve exame. Um desses não-argumentos diz que, quando se trata a droga como um crime, os pobres são os maiores prejudicados. É uma afirmação grosseiramente equivocada, de fundo populista e preconceituosa. A maioria dos pobres nunca usou drogas – pelo contrário. É seguro dizer que, quanto mais humilde a pessoa é, maior a chance de ela rejeitar o uso de drogas.

Alguns políticos não enxergam isso. No debate sobre a PEC antidrogas, um senador da República teria dado a seguinte declaração: “Sabe o que vai acontecer com essa PEC? Um pobre, em um local de pobreza, vilipendiado dos seus direitos alimentares, sem saneamento básico, iluminação pública, educação de qualidade e saúde, com cigarros de maconha, as circunstâncias fácticas ali serão a cor da pele e o local do crime”.

O Estado falha em todas as suas obrigações básicas. E aí, para compensar, oferece maconha, mantendo a pessoa calma e satisfeita em meio ao lixo, ao esgoto, à doença, à fome e à pobreza.

Vamos examinar a declaração do senador. Ele descreve uma pessoa pobre, que provavelmente mora em uma favela (local geralmente dominado por traficantes) e que tem dificuldades para comprar comida (a pessoa deve estar desempregada). Na favela, não há saneamento e nem iluminação, e os serviços de saúde básica são deficientes. Os filhos do indivíduo pobre e desempregado provavelmente terão destino semelhante ao dele, porque o ensino que eles recebem – em escolas públicas – é precário.

Mas olha: pelo menos eles têm baseados. O Estado falha em todas as suas obrigações básicas. E aí, para compensar, oferece maconha, droga que produz uma sensação de bem-estar, mantendo a pessoa calma e satisfeita em meio ao lixo, ao esgoto, à doença, à fome e à pobreza.

Outro argumento sem sentido é o do tal uso medicinal da maconha. Sobre isso, encontrei a seguinte fala de um político: “Acabei de vir dos EUA e lá tem na prateleira óleo de canabidiol”. Pode ser. Mas óleo de canabidiol é uma coisa, um baseado é outra. A maconha do baseado não tem só canabidiol, ela também tem THC – o composto tetrahydrocannabinol, que tem efeitos psicoativos e neurotóxicos. O THC é conhecido por provocar distúrbios psiquiátricos. Essa informação está amplamente disponível, inclusive no documento do governo da Suécia que explica por que, naquele país, a posse de qualquer quantidade de maconha é crime punido com pena de prisão.

No final das contas, talvez o Senado faça um favor ao governo ao aprovar a PEC antidrogas, impedindo o governo de dar mais um tiro no próprio pé.

Muita gente não sabe que a maconha vendida hoje em dia tem um teor de THC muito maior do que a maconha vendida há alguns anos. O uso dessa droga expõe crianças e adolescentes ao risco de desenvolvimento de dependência e de distúrbios psiquiátricos. Eu mesmo conheço duas pessoas cujas vidas foram destruídas – um aos 18 anos, o outro aos 45 anos – pelo uso de maconha.

O mais velho deles era um dependente funcional, ou seja, ele usava a droga regularmente, mas – aparentemente – sem que ela afetasse sua vida que, em vários aspectos, era muito bem-sucedida. Até o dia em que, sob o efeito da droga, se envolveu em um acidente fatal que também vitimou seu filho.

Maconha é fofa, até o dia em que, subitamente, deixa de ser. É uma irresponsabilidade suprema abrir as portas da dependência química e dos distúrbios mentais para nossas crianças e jovens. Nenhum dependente químico jamais começou a usar droga planejando se tornar dependente. No início, todo uso de droga é “recreativo”.

Não deixa de ser curioso o empenho do atual governo na aprovação da “descriminalização do porte de maconha para uso próprio”. Já ouvimos dizer que o governo quer se aproximar do agronegócio. Mas o agro brasileiro não cultiva maconha. Ouvimos que o governo também queria se aproximar dos evangélicos. Não existe evangélico que seja a favor do uso de drogas. Ouvimos dizer também que o governo planejava fazer um discurso mais “conservador”, tentando aumentar sua popularidade. Não existe conservador que aprove dependência química.

No final das contas, talvez o Senado faça um favor ao governo ao aprovar a PEC antidrogas, impedindo o governo de dar mais um tiro no próprio pé – pois qualquer relaxamento da legislação antidrogas será entendido como uma decisão de governo (e com certa razão: afinal, a maioria dos juízes que apoiam a descriminalização do porte foram indicados pelo PT, ou são manifestamente apoiadores do partido).

A decisão em discussão no STF não seria exatamente uma descriminalização. Ela só pretende determinar uma quantidade de droga, abaixo da qual o portador será considerado usuário. O uso continuará sendo considerado crime, como é previsto em lei – só que é um crime sem pena de prisão: as penas são levar uma bronca do juiz, pagar cestas básicas ou prestar serviços comunitários. Por isso, na vida real, quase não se reprime mais o uso público de drogas. Na prática, portanto, o uso já foi descriminalizado, porque não gera consequências para o usuário.

Não acredito que os ministros tenham a intenção de liberar ou de estimular o uso de drogas. Mas a experiência nos mostra que essas serão as prováveis consequências. Por isso, no domingo passado, na praia, eu estava rodeado por maconheiros – desculpe, por pessoas em situação de maconha.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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