Quando eu era criança, queria ser escritor. Quando fiz 13 anos, ganhei do meu pai uma máquina de escrever Olivetti. Deve ter custado um bom dinheiro. No grêmio do colégio Santo Inácio havia um mimeógrafo. Um mimeógrafo consiste basicamente em um rolo com uma manivela, montado em uma armação. Você datilografava o texto em um papel especial, encharcava o papel de álcool, prendia o papel no rolo e girava a manivela. Depois bastava colocar papel em branco debaixo do rolo e pronto: seu texto estava impresso.
Da combinação dessas avançadas tecnologias, nasceu minha primeira publicação: um jornaleco de duas páginas com a tiragem de três exemplares, que era pregado nos quadros de aviso do nosso prédio na Rua Voluntários da Pátria. O jornal tinha uns cinco leitores, incluindo o porteiro e meus pais.
O maior medo de quem escreve é não ser lido. O segundo maior medo é não ser compreendido. O terceiro medo é não saber sobre o que escrever.
Avancemos até hoje, em 2023: minhas redes sociais, somadas, têm uma audiência de dois milhões de pessoas. Qualquer texto decente que eu publique recebe, em média, uns sete mil likes – ou seja, sete mil pessoas que leram (espero) meu texto e o aprovaram.
Sete mil leitores. Nunca deixo de me impressionar. Sete mil cópias é uma tiragem considerada boa para um livro no Brasil. É muita responsabilidade. Já publiquei vídeos que ultrapassaram cinco milhões de visualizações. Cinco milhões de pessoas ouvindo minha voz e recebendo minha mensagem. É muita ousadia para o garoto do mimeógrafo.
Quando escrevo desejo compartilhar ideias, reflexões e memórias de uma vida improvável e surpreendente – minha vida.
Durante anos lutei com a dificuldade de escrever e com a impossibilidade de publicar. Agora, ficou muito fácil fazer as duas coisas, e o desafio é outro: em um mundo onde todos podem se expressar facilmente – e no qual atingir milhões de leitores ou espectadores é uma possibilidade real – o que deve ser dito? Sobre o que precisamos escrever?
É preciso resistir às tentações da histeria, da fofoca, da superficialidade e da oferta fácil do que causa espanto, indignação e curiosidade leviana – e que, consequentemente, gera clicks e likes. É preciso ter algo a dizer, além de anunciar diariamente a proximidade do apocalipse e de alertar sobre o fim do país para depois de amanhã.
O maior medo de quem escreve é não ser lido. O segundo maior medo é não ser compreendido. O terceiro medo é não saber sobre o que escrever. Depois de algumas décadas de vida esse último medo some. Basta encostar em algum lugar e fechar os olhos e um mundo de histórias surge à minha frente.
Como o dia em que fomos visitar amigos dos meus pais em um bairro distante em Salvador e, quando voltamos para o nosso apartamento na Rua Raul Drummond, meu irmão menor não estava mais lá. Ele havia sido levado pela babá para a emergência de um hospital. Em um momento de distração da moça, ele puxara uma panela cheia de água fervente em cima do seu bracinho. Lembro da minha mãe descrevendo como os médicos limparam o curativo puxando a pele morta do braço do meu irmão, lembro dela lamentando os gritos de dor do filho, lembro que ficamos na esquina, falando nos walkie-talkies que meu pai tinha trazido dos Estados Unidos, esperando que todos voltassem do hospital.
Qualquer coisa que eu escreva será marcada por minha infância ensolarada, dividida entre nossa casa em Salvador e as férias no Rio Grande do Norte. Uma infância de praias, claridade, vento, espaços abertos, segurança e carinho. Então por que, apesar disso, nunca gostei de ser criança? Porque adultos têm autonomia. Da infância só sinto falta da saúde perfeita e da capacidade de entrar rapidamente em um sono profundo. No resto, considero a vida adulta melhor e mais divertida, mesmo com todas as responsabilidades e problemas.
Se tivesse a opção de viajar no tempo não gostaria de ser criança outra vez. Se me fosse dada a escolha, retornaria aos trinta e dois anos, idade com a qual voltei dos Estados Unidos, senhor de mim mesmo, me destacando profissionalmente e descobrindo as oportunidades do Rio de Janeiro.
Se eu pudesse voltar no tempo, voltaria ao dia do meu casamento no Outeiro da Glória. Voltaria à igreja cheia dos meus melhores amigos e da minha família. Se eu pudesse voltar no tempo voltaria aos dias em que nasceram meus filhos.
Ou, talvez, aos momentos em que falei pela última vez com meus pais, para dizer a eles que agora os entendo, e que ainda os amo.
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