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Roberto Motta

Roberto Motta

Senso comum

O que podemos suportar

A “nossa opinião” não é nossa; ela é produto de laboratórios, “centros de estudos”, organismos internacionais e redações. (Foto: Steve Johnson/Unsplash )

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A opinião da maioria sobre a maior parte dos assuntos não passa da repetição de um consenso artificial manufaturado pelas corporações do ensino, da mídia, do marketing e da política. A “nossa opinião” não é nossa; ela é produto de laboratórios, “centros de estudos”, organismos internacionais e redações – um produto que incorporamos como se tivesse sido criação do nosso intelecto. A maioria das ideias que defendemos tão intensamente não é nossa.

Era assim, por exemplo, com minha opinião sobre armas de fogo: uma de conceitos e preconceitos desprovidos de consistência, que durou até o dia em que tive a sorte de tentar debater com Benê Barbosa e fui convencido a fazer uma reflexão. Hoje penso diferente, e minha opinião – de que o direito à posse e ao porte de armas deve sofrer regulação mínima pelo Estado e é fator essencial de liberdade e segurança – espanta muita gente cuja posição sobre o assunto tem origem, sem que eles tenham consciência disso, no preconceito e no medo irracional de armas que começou a ser disseminado pela mídia e pelo Estado a partir dos anos 1980.

A maior parte do consenso dominante é o resultado da aplicação, com graus variados de virulência, do conjunto de erros morais e intelectuais conhecidos como 'marxismo'

Antes disso, ter uma arma e usá-la em autodefesa era visto como natural no Brasil. Era uma época em que os índices criminais eram uma pequena fração dos atuais. Em 1980, ano em que armas podiam ser compradas em lojas de departamento sem maior burocracia, ocorreram 12 mil homicídios – uma taxa de 11.7 homicídios por 100 mil habitantes. Em 2011, oito anos depois da aprovação do “Estatuto do Desarmamento”, o Brasil sofreu 52 mil homicídios – uma taxa de 27 por 100 mil habitantes.

Somos, quase todos, prisioneiros da corrida dos ratos, a necessidade de dedicar a maior parte de nosso tempo a atividades remuneradas que nos permitam pagar as contas no final do mês e sobreviver. Cansaço, estresse e falta de sono são nossas companhias, além de um sentimento de culpa permanente por não poder dar mais atenção à família, por não cuidar da saúde como deveríamos e por não seguir as recomendações das centenas de gurus, coachs, filósofos e ideólogos que nos assediam com ensinamentos sobre riqueza, felicidade, longevidade e justiça social.

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Nesse lamaceiro existencial é difícil encontrar tempo e espaço para refletir. Assim, enganamos a nós mesmos: essa pessoa que imaginamos ser não passa de uma ficção. Somos uma colcha de retalhos culturais, um amontoado de clichês de autoajuda, de slogans publicitários, de manchetes de jornal e de artigos pseudocientíficos lidos pela metade e mal digeridos. O que consideramos nossas fundações existenciais são, frequentemente, apenas construções ideológicas criadas e propagadas para servir ao interesse de indústrias, de lobbies e do poder – para servir a vários interesses, exceto o nosso.

O indivíduo que não faz uma reflexão informada sobre a vida não sabe nada. Submersos em um tsunami de informações inconcebível pelas gerações que nos precederam, continuamos cegos, surdos, mudos e iludidos. Os recursos tecnológicos e as redes sociais, que poderiam ser instrumentos de libertação, se limitam, quase sempre, a produzir uma simulação de autonomia. Não passamos de consumidores passivos de narrativas, falácias, mentiras e falsificações, desequipados para as mais simples análises e críticas daquilo que nos cerca.

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Acreditamos que temos opiniões e posições firmes e originais sobre censura, uso de drogas, sexo, “violência policial” e meio ambiente, mas nossas opiniões não passam da reprodução de itens padronizados de uma cesta comportamental de consumo obrigatório, concebida com base em equívocos de “intelectuais” despreparados e transformada, por processos escondidos de nós, no que se chama de “senso comum”.

A maior parte do consenso dominante é o resultado da aplicação, com graus variados de virulência, do conjunto de erros morais e intelectuais conhecidos como “marxismo”.

A leitura de bons livros poderia nos salvar, mas quem tem tempo para ler um livro? Mesmo um bom livro requer reflexão. Conversas esclarecedoras poderiam nos salvar, mas com quem conversaríamos se quase todos que nos rodeiam são submetidos à mesma dieta social? Na escola da filha de um amigo as aulas de “educação sexual” – um produto do senso comum aplaudido por muitos pais – não passam de promoção quase criminosa desexualização infantil. Em outra escola o tema “racismo ambiental” – uma construção pseudointelectual fraudulenta de alta virulência ideológica, cuja raiz está na “teoria crítica” dos marxistas da Escola de Frankfurt – foi tema do trabalho final do 8º ano, feito por crianças de 14 anos de idade. Entre mais de uma centena de pais, apenas um protestou.

Nossas ideias não são nossas. Para comprovar, escolha algumas das suas convicções e se pergunte: de onde tirei isso? Que reflexão me levou a acreditar nesse argumento? Que evidências encontrei? Como as verifiquei? Talvez você descubra que nenhuma dessas ideias é originalmente sua, que você tem um mínimo de compreensão delas e que você as adotou simplesmente porque é nisso que a maioria acredita. A maioria das pessoas acredita nas coisas nas quais a maioria das outras pessoas acredita.

Recusamos a pílula vermelha porque ela implica no abandono da ingenuidade, da mudez e da passividade. Depois de despertar somos obrigados a levantar nossa voz, desmentir falsidades, denunciar mentiras e cumprir com a obrigação de viver a vida como seres pensantes plenos

Há poucos dias fiz uma postagem no X, comentando sobre novas regras que certa autoridade do governo federal pretende impor em relação ao armamento das polícias. Eu disse que uma boa maneira de julgar a sensatez dessas regras seria verificar se elas são impostas aos guarda-costas da autoridade em questão.

Um usuário da rede, que usa como avatar a cabeça de um burro, chamou a minha forma de pensar de “populista e demagógica”, e disse que eu estava errado porque, se meu raciocínio fosse verdadeiro, “autoridades alemãs, britânicas e outros do primeiro mundo, seriam insensatos” (sic).

Não é preciso muita astúcia para perceber que o argumento do meu crítico é inexistente. É evidente que nem todos os líderes europeus são sensatos. Basta um mínimo de conhecimento para constatar isso. Políticos são movidos a incentivos e restrições, como todos nós. Infelizmente, na política a maioria dos incentivos aponta na direção errada. Bastariam poucos minutos de reflexão para que o autor da opinião crítica percebesse a falta de substância do seu raciocínio. Mas ele tinha a urgência de contrapor a “sua” opinião.

O crítico do avatar da cabeça de burro simboliza o momento atual. Vivemos como bêbados, sonâmbulos, cegos guiando uns aos outros, procurando algo que desconhecemos e parando para ouvir loucos delirantes que se postam à beira do caminho vendendo soluções mágicas para problemas que não temos, enquanto a essência intelectual, moral e espiritual da vida nos escapa por entre os dedos.

Sócrates já disse que uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida. A maioria de nós experimenta momentos em que vislumbramos a verdade, mas em geral esses momentos passam rápido. Recusamos a pílula vermelha porque ela implica no abandono da ingenuidade, da mudez e da passividade. Depois de despertar somos obrigados a levantar nossa voz, desmentir falsidades, denunciar mentiras e cumprir com a obrigação de viver a vida como seres pensantes plenos, dotados de uma alma única e imortal, dada por nosso Criador. É preciso manter constante vigília contra os mecanismos do engano e do mal e contra seus donos e seus servos.

Isso é mais do que a maioria consegue suportar.

Suporte. Seja a minoria. Exista.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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