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Roberto Motta

Roberto Motta

O Paradoxo da Madonna: reflexões sobre um equívoco pago com dinheiro dos trabalhadores

A cantora Madonna realizou show na Praia de Copacabana enquanto gaúchos sofrem com enchentes históricas. (Foto: Reprodução/Rede Globo)

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Políticos habilidosos sabem que, por mais descabidas que sejam suas decisões e mais contraditórias que sejam suas declarações, elas sempre encontrarão defensores – por ideologia, por interesse ou por ignorância. O Brasil está cheio de políticos habilidosos.

A questão moral do show de Copacabana é muito simples e pode ser resumida em dois pontos. Primeiro, ele foi parcialmente financiado com dinheiro público, e isso é inaceitável. Segundo, foi servido um produto que muitos consideram vulgar e inapropriado para um espetáculo público, sem restrição de idade e transmitido pela TV aberta.

O paradoxo da Madonna é esse: se o show é um "bom investimento" ele deveria ser feito pela iniciativa privada, não com dinheiro de impostos. Se o show é um mau investimento, ninguém deveria fazê-lo.

Quem deseja assistir a shows desse tipo encontra enorme oferta, ao vivo e online. Basta comprar um ingresso ou assinar um canal de streaming. Mas, no caso do show em Copacabana, é como se todos os sete milhões de habitantes da cidade do Rio de Janeiro tivessem sido forçados a comprar um ingresso – ingresso para um show que a maioria, talvez, jamais teria interesse em assistir – nem de graça. É o meu caso.

Esse é o primeiro problema, e ele é grave porque exemplifica uma das piores características de nossas estruturas políticas: uso legal mas inadequado, do dinheiro público. Margareth Thatcher já explicou: “Nunca esqueçamos esta verdade fundamental. O Estado não tem outra fonte de dinheiro além do dinheiro que as próprias pessoas ganham. Se o Estado quiser gastar mais, só poderá fazê-lo tomando emprestado nossas poupanças ou cobrando mais impostos. Não existe dinheiro público, existe apenas dinheiro dos contribuintes".

O chamado “dinheiro público” é, na verdade, dinheiro que saiu do bolso dos trabalhadores. Bastiat já explicou: quando você vê alguma coisa realizada pelo governo – um monumento, um viaduto ou um show de música pop – há sempre algo que você não consegue ver. São os milhares de projetos pessoais que não foram realizados pelas pessoas porque o dinheiro que pagaria essas coisas foi recolhido na forma de impostos e usado no “projeto” do Estado.

O dinheiro que foi usado para pagar a cantora americana é dinheiro que poderia ter comprado um aparelho ortodôntico para uma criança de Jacarepaguá, ou pago a mensalidade de um curso de inglês para um jovem da Tijuca ou um plano de saúde melhor para uma moradora idosa de São Cristóvão. Mas nenhuma destas coisas acontecerá porque o dinheiro foi usado no show.

A tentativa de justificar o uso de dinheiro público caracterizando o patrocínio como “investimento” não encontra sustentação na lógica. É evidente que, se o retorno fosse mesmo aquele que foi estimado, a própria iniciativa privada organizaria o show sem qualquer recurso público – da mesma forma como organiza inúmeros outros shows e eventos no Rio. Algumas pessoas não concordam comigo; elas apoiam o uso do dinheiro dos meus impostos em um show que não me interessa. Para essas pessoas – para quem acha que o show "movimenta a economia", "tem um retorno excelente", "curou o país" e "colocou o Brasil em todas as revistas internacionais" (acreditem: eu li isso) a solução é simples: pague o show com o seu dinheiro e não com o meu.

Contratar uma cantora pop americana por dezenas de milhões de reais, usando dinheiro de tributos, é incompreensível para um trabalhador que paga quase metade de sua renda em impostos. É também um beco sem saída para quem defende o Estado como "financiador” da tal “cultura nacional”. Como podem essas mesmas pessoas achar razoável gastar R$ 57 milhões com um show pop internacional sem qualquer novidade ou valor cultural identificável?

O paradoxo da Madonna é esse: se o show é um "bom investimento" ele deveria ser feito pela iniciativa privada, não com dinheiro de impostos. Se o show é um mau investimento, ninguém deveria fazê-lo. Entendido esse ponto, ainda resta falar da natureza do show. E aqui é preciso cuidado, equilíbrio e justiça.

É preciso lembrar que desde os anos 1980 – há quatro décadas, portanto – a cantora faz exatamente o mesmo tipo de apresentação. Seus shows seguem o mesmo script que combina elementos de dessacralização ou de paródia estilizada da religião – isso inclui vestimentas, cenário e coreografia que, invariavelmente, simula alguma situação sexual envolvendo símbolos e objetos religiosos. A única novidade no show de Copacabana foi a inclusão de homenagem a personagens e políticos da extrema esquerda.

Quem a contratou – e me dizem que um grande banco era um dos patrocinadores – sabia exatamente o que estava comprando e que seria exibido para milhares de pessoas na praia e para outros milhões pela TV. Não cabe nenhum ataque pessoal ou ofensa à cantora, que fez o que sempre faz e, provavelmente, cumpriu suas obrigações contratuais. A pergunta a ser feita é: porque os patrocinadores de um show cujo custo total chegou a quase sessenta milhões de reais decidiram servir esse tipo de entretenimento, de alto conteúdo sexual misturado com referências religiosas e pitadas de esquerdismo radical, de forma aberta, e ainda contando com dinheiro público?

A resposta precisa ser melhor do que “ela é uma estrela internacional” ou “o show colocou o Rio no mapa do mundo”. Rio de Janeiro e Copacabana já são marcas conhecidas em todo o mundo, há muito tempo.

A transmissão do show – com coreografias sexualmente explícitas – foi, inevitavelmente, assistida por crianças e adolescentes. Não fica muito claro porque os organizadores acharam isso adequado, e nem como isso contribui para a cultura nacional. Não é função do Estado – e muito menos de um banco – influenciar a moral, o comportamento amoroso ou a sexualidade de menores de idade (ou mesmo de maiores). Talvez a explicação esteja na hegemonia atingida, no meio cultural e até no marketing corporativo de grandes empresas – incluindo cervejarias, redes de lanchonetes e bancos – pelas ideias de “pensadores” como Herbert Marcuse, Wilhelm Reich e Erich Fromm, "filósofos" da Escola de Frankfurt, que defendem a revolução marxista através da promoção de vulgaridade e promiscuidade, caracterizadas como “libertação” da prisão representada – na opinião deles – pela família e pela moral cristã.

Mas o ponto principal continua sendo a compreensão de que, qualquer que seja a “manifestação artística”, ela não deve ser financiada com dinheiro de impostos, por três razões. Primeiro, porque isso envolve escolhas de natureza estética e moral que não devem ser funções do Estado. Segundo, porque é inevitável a influência de preferências políticas e interesses financeiros, considerando-se as grandes somas envolvidas e a natureza especial dos processos de contratação. Terceiro, porque um país como o Brasil tem outras prioridades.

Não é admissível que o Estado ajude a pagar por um único show de R$ 57 milhões em um país onde ocorrem 40.000 assassinatos por ano (dos quais apenas 8% são esclarecidos), onde boa parte dos alunos no final do ensino médio são analfabetos funcionais, onde mais de 50% das casas não têm coleta de esgoto, e no qual a produtividade está estagnada desde a década de 1980.

Lembrar esses fatos não pode – não deve – ser considerado uma ofensa a ninguém.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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