Uma autoridade do sistema de justiça criminal, em uma entrevista recente, disse a seguinte frase: "A articulação de boas políticas de segurança pública é essencial”. Quem poderia discordar de uma afirmação como essa? Ela não diz nada e não significa nada, mas deixa seu autor com uma sensação gostosa.
Na verdade, a decisão de combater o crime é uma decisão política. Essa reflexão deveria iniciar todas as discussões sobre segurança. É preciso que se pergunte: existe o desejo real de punir criminosos e proteger o cidadão? Se o desejo não existe, esqueça todo o resto. Esqueça câmeras, aplicativos, secretarias, audiências, ministérios, grupos de trabalho, ONGs e conselho disso ou daquilo. Esqueça toda a discussão sobre segurança pública que não parte da convicção moral de que o criminoso é o único culpado pelo crime e deve ser punido de forma proporcional à ofensa.
Saidinhas: não há evidências de que elas ajudem na reabilitação, mas há fartura de provas de que os presos cometem crimes enquanto estão nas ruas.
Existem duas abordagens em relação à segurança pública. A primeira é a abordagem ideológica, onde o que vale são ideias preconcebidas aplicadas de forma independente da realidade. A segunda abordagem é a segurança pública baseada em evidências. É usar aquilo que funciona, que já foi testado e aprovado.
O Brasil tem dispositivos legais que permitem a criminosos presos, que estão cumprindo sentenças em presídios, sair da prisão em até cinco feriados no ano, ficando fora até sete dias de cada vez. Isso dá um total de 35 dias de "liberdade" para os presos. É mais do que os 30 dias de férias de um trabalhador.
E qual é o problema? A primeira questão é moral. Esse dispositivo se aplica a todos os criminosos, inclusive aos que cometeram crimes brutais – como mandar matar pai e mãe a golpes de barra de ferro, ou jogar a filha pela janela do apartamento. A discussão deveria morrer aqui. Mas há também questões práticas. A polícia prende muitos criminosos que aproveitam a saidinha para cometer crimes. As comunidades são aterrorizadas por criminosos durante as épocas das saidinhas, já que muitos saem da cadeia com missões dadas por sua facção ou com a intenção de fazer acerto de contas. Muitos criminosos não retornam à cadeia: em média, 5% dos presidiários que recebem o benefício da saidinha aproveitam para fugir.
Cada um pode ter a posição que quiser, inclusive defender as saidinhas. Só não pode dizer que está pensando no bem comum.
Recentemente o sargento Roger Dias, da Polícia Militar de Minas Gerais, foi morto com dois tiros na cabeça por um bandido que havia fugido durante a saidinha. O sargento Roger deixa viúva e um filho de quatro anos.
Muito provavelmente, a maioria dos crimes cometidos por bandidos durante as saidinhas nunca chega ao conhecimento da polícia – porque a maioria dos crimes nunca é registrada. Existe um oceano invisível de dor e sofrimento criado por essa prática, que inunda as ruas com criminosos perigosos.
O argumento usado em defesa desse absurdo é que a saidinha ajuda na ressocialização do criminoso. Mas "ressocialização" é uma fantasia ideológica (quem explica isso bem é o psiquiatra forense Stanton Samenow, em seu livro A Mente Criminosa). Samenow explica que o criminoso já era socializado e rejeitou a influência da sociedade ao cometer o crime.
O que existe é reabilitação. Isso acontece quando o criminoso se arrepende de seus atos e resolve não cometer mais crimes. Preste atenção agora: não há qualquer evidência de que a saidinha ajude na reabilitação. Não existem estudos controlados, pesquisas ou qualquer dado que comprove essa afirmação. Só há a repetição de platitudes e chavões ideológicos. Mas há fartura de evidências de que a saidinha aumenta a criminalidade – inclusive a cena do assassinato do sargento Roger, capturada em vídeo.
O professor Pery Shikida pesquisa a economia do crime há mais de vinte anos. Um de seus estudos científicos mais impressionantes foi realizado com presos do Paraná, que haviam cometido crimes econômicos – roubo, sequestro, estelionato. Sua conclusão é clara: antes de cometer o crime, o criminoso avalia os custos e benefícios do seu ato. Ele se pergunta: Qual a chance de me prenderem? E o que acontece se eu for preso?
A pesquisa do professor Pery revelou que 65% dos criminosos entrevistados eram reincidentes, e que entre as principais motivações do crime estavam influência de amigos, cobiça e vício. Ninguém roubou para comer. Mas o achado mais impressionante da pesquisa foi que 50% dos entrevistados possuíam imóveis em seu nome no momento do crime, jogando por terra a narrativa do criminoso pobrezinho, “vítima da sociedade”.
Quais foram as recomendações dos próprios criminosos para reduzir o crime?
“Mais educação profissionalizante; mais empregos com maior remuneração; mudança na legislação – penas mais severas –; políticas eficazes no combate ao tráfico de drogas – acabar com o comércio de drogas.”
Podemos resumir assim a tragédia das saidinhas: não há evidências de que elas ajudem na reabilitação, mas há fartura de provas de que os presos cometem crimes enquanto estão nas ruas. Diante dessa realidade, cada um pode ter a posição que quiser, inclusive defender as saidinhas. Só não pode dizer que está pensando no bem comum.
Inelegibilidade de Caiado embaralha ainda mais a disputa pela presidência em 2026
Oposição e juristas questionam prisão de Braga Netto sem indícios atuais de obstrução
Lula recebe alta hospitalar, mas continuará em São Paulo até quinta
Governo prioriza emendas de PL e Centrão ao liberar R$ 7,3 bi na última semana