O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), restabeleceu o mandato do vereador Renato Freitas (PT), de Curitiba, cassado pela Câmara de Curitiba após processo ético que concluiu que ele perturbou culto religioso e realizou manifestação política no interior da Igreja do Rosário em protesto contra o racismo em 5 de fevereiro.
A decisão é liminar (provisória) e também devolve a condição de elegibilidade a Freitas, que é candidato a deputado estadual.
Na Reclamação, o vereador afirma que o processo de cassação durou mais que 90 dias, prazo máximo previsto na legislação (Decreto-Lei 201/1967, artigo 5º, VII). Ele relata que o TJ-PR manteve o ato de cassação porque o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Municipal prevê a prorrogação do prazo de duração do processo.
Freitas argumenta que as decisões do TJ-PR desrespeitaram a jurisprudência do Supremo (Súmula Vinculante 46), segundo a qual “a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União”. Aponta, ainda, que a manutenção das decisões implicaria dano grave e irreparável, já que além da subtração do mandato, ocasionaria o indeferimento do registro de sua candidatura a deputado estadual.
Na decisão, Barroso considerou a alegação de que o processo de cassação deve ser disciplinado por norma federal e não local, o que limita a duração do procedimento em 90 dias corridos. Ele salientou que as garantias legais do processo de cassação do mandato visam a proteger não só o direito individual do parlamentar, mas, sobretudo, o princípio democrático. “Em respeito ao voto popular, tal punição deve resultar de procedimento que observe com rigor as exigências legais”, disse.
Mas Barroso também analisou o mérito da decisão do plenário da Câmara Municipal de Curitiba, afirmando que a punição a Freitas "importou em restrição ao direito fundamental à liberdade de expressão do parlamentar, exercida em defesa de grupo vulnerável, submetido a constantes episódios de violência".
Barroso afirmou, na sua decisão, que, "mesmo sem antecipar julgamentos, é impossível dissociar a cassação do mandato do pano de fundo do racismo estrutural da sociedade brasileira". Segundo ele, "essa disfunção, ligada ao colonialismo e à escravização em sua origem, se manifesta não apenas em situações de discriminação direta ou intencional, como também na desigualdade de oportunidades e na disparidade de tratamento da população negra". No despacho, o ministro cita que "na situação aqui examinada, e talvez não por acaso, o protesto pacífico em favor de vidas negras, feito pelo vereador reclamante dentro de igreja, motivou a primeira cassação de mandato na história da Câmara Municipal de Curitiba”.
O advogado de Freitas, Guilherme Gonçalves, comentou a decisão. "A síntese dessa decisão é que a gente nunca perdeu a esperança. A gente sabia que, em algum momento essa injustiça seria corrigida. A liminar é magnífica, não só por mostrar que não é possível que o procedimento de cassação de mandatos tenha regras diferentes em cada município brasileiro. Mas o mais importante, bonito e inovador foi o reconhecimento de que o ato punido, foi um ato legítimo de liderança política de um discriminado em favor de seus irmãos negros também perseguidos e discriminados. A decisão não reconhece só a ilegalidade da cassação. A decisão reconhece a inexistência de qualquer quebra de decoro deste menino que ousa superar o apartheid social, incomoda pelo que é e faz, mas representa uma parcela que não faz sentido que fique fora do debate político brasileiro".
Confira a a linha do tempo do caso Renato Freitas
Durante protestos contra o racismo, em repúdio ao assassinato do congolês Moïse Kabagambe e de Durval Teófilo Filho, na frente da Igreja do Rosário, no Centro Histórico de Curitiba, manifestantes invadem a igreja e Renato Freitas discursa dentro do templo religioso.
Os vereadores Éder Borges (PSD), Pier Petruziello (PTB) e Pastor Marciano Alves (Republicanos) protocolaram representações por quebra de decoro contra Renato Freitas, após o petista participar do protesto dentro da igreja.
Durante a sessão plenária da Câmara, o vereador se manifestou publicamente pela primeira vez, pedindo desculpas “às pessoas que se sentiram profundamente ofendidas” com a situação.
Mesa Diretora da Câmara admite representações contra Freitas e encaminha o caso ao Conselho de Ética.
Corregedoria da Câmara vê materialidade nas denúncias contra Freitas e recomenda abertura de processo ético disciplinar.
Conselho de Ética abre processo contra Renato Freitas. Sidnei Toaldo (Patriota) é eleito relator do caso.
Conselho de Ética notifica Renato Freitas sobre a abertura do processe e prazos começam a correr.
Renato Freitas apresenta defesa prévia, dizendo que não invadiu igreja, entrou, após a missa, porque a porta estava aberta; não interrompeu nem atrapalhou a missa; não fez manifestação política dentro da igreja e não liderou as manifestações.
Após análise da defesa prévia, Conselho de Ética decide prosseguir com processo.
Fase de instrução do processo é concluída com o depoimento de Renato Freitas.
Vazam áudios do vereador Marcio Barros (PSD), membro do Conselho de Ética, antecipando voto pela cassação de Freitas, afirmando que outros três membros do Conselho também já teriam decidido pela cassação e sugerindo pressão sobre a vereadora Noêmia Rocha (MDB), que estaria indecisa. Defesa de Freitas pede suspeição de Barros e anulação do processo.
Márcio Barros pede desligamento do Conselho de Ética. Conselho de Ética nega anulação do processo.
Renato Freitas protocola alegações finais junto ao Conselho de Ética, reafirmando não ter invadido a igreja, não ter liderado o movimento e não ter interrompido a missa.
Relator Sdinei Toaldo apresenta relatório pela cassação do mandato de Renato Freitas. Apesar de descartar, em seu relatório, a acusação de invasão de igreja, o relator considera que Freitas atrapalhou culto religioso e realizou manifestação política no interior da igreja. Vereadora Maria Letícia (PV) pede vista do relatório.
Renato Freitas recebe email com ofensas racistas em seu endereço oficial da Câmara. No remetente constava o endereço eletrônico oficial do vereador Sidnei Toaldo.
Com cinco votos favoráveis ao relatório de Sidnei Toaldo, o Conselho de Ética delibera pela cassação do mandato do vereador Renato Freitas. Maria Letícia votou pelo arquivamento do caso e Dalton Borba pela suspensão do vereador.
Corregedoria da Câmara abre sindicância para investigar origem do email racista recebido por Freitas.
Presidente da Câmara, Tico Kuzma (Pros) convoca sessão extraordinária para o dia 19 de maio para votação do projeto de resolução que determina a perda de mandato de Renato Freitas.
Horas antes da sessão extraordinária de julgamento de Freitas, liminar da juíza Patricia de Almeida Gomes Bergonse suspende a realização da sessão até que seja concluída a sindicância sobre o email racista. Para a juíza, se comprovado que o email tivesse sido disparado por Sidnei Toaldo, o processo estaria passível de nulidade.
Corregedoria da Câmara conclui sindicância sobre email racista, confirmando a veracidade da mensagem eletrônica, mas descartando que ela tenha sido enviada por Sidnei Toaldo ou qualquer membro de seu gabinete. Segundo a sindicância, o email foi enviado de um servidor europeu capaz se simular qualquer endereço eletrônico como remetente. O resultado da sindicância é compartilhado com o Tribunal de Justiça, que pede mais detalhes.
A juíza Patrícia Bergonse revoga a liminar que impedia a realização de julgamento de Freitas, após o recebimento de informações complementares sobre a sindicância nos e-mails por parte da Câmara.
Com 25 votos favoráveis, 7 contrários e 2 abstenções, plenário da Câmara aprova, em primeiro turno a resolução do Conselho de Ética que determina a perda de mandato de Renato Freitas. Alegando o descumprimento de prazos de notificação, vereador e sua defesa não comparecem à sessão.
Mais uma vez sem a presença de Renato Freitas e de seus advogados, plenário da Câmara cassa o mandato de Freitas após aprovar, em segundo turno, o projeto de resolução. Freitas recorre à Justiça.
Juíza Patrícia Bergonse indefere pedido de liminar de Freitas em Mandado de Segurança contra a cassação de seu mandato pela Câmara. A magistrada não concordou com o argumento da defesa de que prazos de convocação, intimação e notificação teriam sido desrespeitados. Câmara convoca a suplente de Freitas, Ana Julia Ribeiro (PT) para tomar posse.
Ana Julia toma posse dizendo que manterá em trâmite todos os projetos e requerimentos de Freitas, “na certeza de que ele voltará”.
Liminar da desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima suspende os efeitos da sessão de cassação de Freitas, considerando que houve descumprimento de prazos, devolvendo o mandato ao vereador.
A Câmara Municipal de Curitiba comunica que Renato Freitas voltará ao cargo no dia seguinte. Com isso, a suplente Ana Júlia Ribeiro deixa a Casa. Uma nova sessão, em dois turnos, é marcada para agosto para mais uma vez julgar o petista pela quebra de decoro parlamentar.
Câmara marca as sessões especiais do processo de cassação de Renato Freitas para os dias 4 e 5 de agosto, às 9 horas.
Na primeira votação, os vereadores decidiram novamente cassar o mandato de Renato Freitas.
Em segunda votação, os vereadores confirmam a perda de mandato de Renato Freitas. Antes, em decisão de ofício, o presidente da Alep, Tico Kuzma (Pros), negou a questão de ordem levantada pelos advogados do petista que alegava decadência dos prazos processuais. No entendimento da defesa, o processo ético-disciplinar contra o vereador teria prazo de 90 dias corridos para ser concluso, o que teria se encerrado no dia 25 de junho.
Câmara convoca, novamente, a suplente Ana Júlia Ribeiro (PT) para assumir a vaga de Freitas, que recorre à Justiça.
Ana Julia é reempossada na vaga aberta pela perda de mandato de Renato Freitas
Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso acata recurso da defesa de Renato Freitas e restabelece mandato do vereador.
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