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Dizendo não querer politizar as discussões sobre o enfrentamento da Covid-19, o governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) mantém a posição de respeitar e aguardar os prazos do plano Nacional de Imunização, não entrando em uma corrida, da qual já participam vários prefeitos e governadores, para uma importação própria de vacinas, apesar de o Estado dispor de R$ 200 milhões em seu orçamento para a aquisição de imunizantes.
Nesta primeira parte de uma longa entrevista concedida à coluna, o governador argumentou que, além dos imbróglios jurídicos que uma compra própria de vacinas pode gerar, o estado não vai ao mercado neste momento pelo fato de não haver vacinas disponíveis. “Comprar qual vacina? Não tem vacina no mundo”, disse o governador.
Ratinho Junior também afirmou que questionou o Ministério da Saúde sobre o fato de o Paraná ter recebido menos doses que estados com população inferior e fez uma avaliação da condução do Estado durante todo o enfrentamento da pandemia. Confira:
O Paraná está em situação de emergência pela pandemia desde março do ano passado. Passados mais de 10 meses, olhando para trás, com todo o conhecimento que se adquiriu sobre o coronavírus após aquele susto da chegada da pandemia no país, que avaliação o senhor faz das medidas adotadas pelo governo desde março?
Eu sempre evitei dar muita declaração pública porque eu sempre evitei fazer da pandemia uma novela política. Não acho que a questão da doença seja um ambiente para se querer fazer política eleitoral. Então sempre tratei de forma muito técnica e sempre deixei o Beto Preto, que é da área, que é entendedor, fazer as ponderações e as apresentações à imprensa. Claro que, um pouco mais no início, tive que posicionar, até pelo medo das pessoas. Se parar para rever a história, temos que destacar que o Paraná nunca fez lockdown. Fizemos, num período mais agudo, o fechamento dos serviços não essenciais em algumas regiões. Mas foi bem pontual e bem ponderado. Não fechamos as 399 cidades. O que aconteceu no começo, primeiro, o comércio das cidades fechou sozinho. Não teve decreto de prefeito nem de governador fechando o comércio. As pessoas foram para casa e não queriam mais sair. Tanto os clientes, quanto os funcionários das empresas. O nosso prazo para analisar e tomar alguma medida restritiva era 15 de abril. Mas, no início de março, uma cidade fechou (Foz do Iguaçu), e os outros prefeitos começaram a ser pressionados pela população para também fechar. Foi uma loucura. Eu falei, internamente, que era muito cedo. Mas não condeno. Eles fizeram para defender seus habitantes. Mas a gente veio tentando fazer progressivamente, tomando as decisões para locais que tinham maior volume de pessoas, como shoppings; teve a questão das academias, que foi uma discussão mais profunda. Foi tudo na base do aprendizado. Não acertamos em tudo, mas acho que erramos pouco.
Nesta postura de não politizar as discussões, o senhor também não entrou nas recentes discussões de governadores e prefeitos com o governo federal com relação à vacina. O senhor e o secretário Beto Preto têm declarado respeitar o Plano Nacional de Imunização e contar com a distribuição equânime de vacinas no pais, apesar de o estado ter R$ 200 milhões em caixa para a compra de vacinas. O senhor não teme ficar refém da estratégia do governo federal, que já mostrou algumas falhas, ao abrir mão da compra própria de vacinas?
Primeiro eu te pergunto: comprar qual vacina? Não tem vacina no mundo. Hoje a Itália está processando a Pfizer, a União Europeia está cobrando a Pfizer porque não vai entregar as doses de vacina que estão previstas no contrato. A Pfizer anunciou, para os Estados Unidos, até junho, 100 milhões de doses. Os Estados Unidos começou a vacinação há quase dois meses e não vacinou 20 milhões de pessoas até agora. Não tem vacina no mundo. O Ministério da Saúde tem um histórico, que não é deste governo, mas de mais de 40 anos, desde a década de 1970, fantástico no que diz respeito á vacinação. Nenhum país no mundo tem um sistema de vacinação como tem o Brasil. Nós, o Brasil, sabemos fazer isso. Mas não tem vacina no mundo. Temos que estar amparados pelo poder de compra. E quem tem o poder de compra é o governo federal. O governo federal está com R$ 20 bilhões, aprovados pelo Congresso, para compra de vacinas.
Eu estive com a Pfizer em 7 de outubro, quando ninguém falava com a Pfizer ainda, me reuni com o presidente da América do Sul da Pfizer. E ele foi bastante claro, falando que a opção era fornecer, primeiro, ao Ministério da Saúde, para só depois abrir para os estados que quiserem, se puder. E ele mesmo falou que teria 100 milhões de doses para o primeiro trimestre do ano. Então, não tem vacina. Temos que trabalhar e torcer para que? Para que esse IFA (Insumo Farmacêutico Ativo) chegue e o Instituto Butantan e a Fiocruz possam começar a produção local. Com a capacidade de produzir quase 2 milhões de doses por dia, essa é a nossa solução. O resto: importação de 2 milhões de doses, aqui, 5 milhões ali, não resolve o nosso problema. Temos que fabricar internamente.
Estar amparado no governo federal, no Ministério da Saúde, é porque o Ministério tem mais capacidade de compra e, também, já mostrou que é ele que manda no processo, como o que fizeram com o Butantan, adquirindo todas as doses. A gente torce para que aconteça essa produção local o quanto antes e mantemos uma reserva de caixa para alguma necessidade, mas tenho certeza de que não precisaremos usar, porque o Ministério da Saúde dará conta.
O Paraná tem um convênio com o Instituto Gamaleya, da Rússia para a pesquisa e a transferência de tecnologia da vacina Sputnik V. Mas, depois do convênio com o Paraná, os russos fizeram parceria, também com o governo da Bahia e com a indústria farmacêutica União Química, que até já tentou o registro emergencial da vacina. O convênio do Paraná com a Rússia esfriou?
O convênio não esfriou, continuamos conversando. O que acontece: o Instituto Gamaleya é um fundo privado, não é estatal. Nós, quando fomos atrás da Sputnik, quando faziam dela uma chacota, por iniciativa do Tecpar, buscamos a troca de tecnologia, ciência, pesquisa e assim por diante. O Tecpar conduziria, por exemplo, a fase 3 da pesquisa clínica da vacina aqui no Brasil. Esse processo continua acontecendo e está à disposição. Mas a Sptunik, como já começou a vender para outros países, tem buscado convencer a Anvisa de que não precisa fazer a terceira fase, por já terem aprovação de outras agências estrangeiras. Não sou cientista, não sei dizer se estão certos ou errados, mas é essa a estratégia deles no momento. Se a Anvisa exigir a terceira fase, o Tecpar, será o laboratório que vai auxiliar neste processo. Então, agora, estamos nesta fase da discussão burocrática. Se não precisar, aí a parte fabril fica com o parceiro privado que eles arrumaram aqui, que é a União Química, que é um dos grandes laboratórios do Brasil e tem capacidade de produção em massa, e o Tecpar vai continuar com a ciência, porque essa vacina deverá ser como a da gripe, com vacinação anual. E o Tecpar estará apto a fornecer ao governo federal uma opção de vacina desenvolvida, aperfeiçoada, estudada, modificada, com o desenvolvimento de novas cepas.
Mesmo com toda essa demonstração de confiança no Plano Nacional, o Paraná acabou recebendo menos doses que estados com menor população na primeira grande remessa do governo federal. Recebemos menos do que o Amazonas, que é compreensível pela situação vivida lá, mas menos também do que Pernambuco, com a justificativa de que há uma maior população indígena no estado nordestino. Mas o que chamou a atenção foram as mais de 60 mil doses a menos que o Rio Grande do Sul, que tem uma população quase igual à nossa e um momento da pandemia bastante semelhante...
Eu falei com o ministro no sábado de manhã sobre isso. O critério que ele disse que utilizou foi o do número de trabalhadores na área da saúde. Eles apontaram que o Rio Grande do Sul tem mais trabalhadores na área da saúde por terem mais hospitais federais. Mas nossa Secretaria de Saúde está fazendo um estudo comparativo. Eu relatei isso para o ministro e ele falou que se isso ficar comprovado, o Paraná será compensado na hora. Não queremos acusar ou passar uma informação incorreta, então, quando a secretaria concluir esse levantamento, apresentaremos ao Ministério e, se ficar comprovado, teremos as doses que nos serão de direito.
A secretária de saúde de Curitiba (Márcia Huçulak) fez um projeção otimista que, se mantido o ritmo, poderemos ter toda a população vacinada até agosto. O senhor consegue vislumbrar esse prazo para o estado, o fim da vacinação?
Depende da disponibilidade de vacina. Mas estou muito animado com a possibilidade de ter esse volume necessário para vacinar uma grande parte da população para termos uma baixa gigante nos casos e óbitos como já vem sendo registrado em Israel. Com a vinda do IFA para o Brasil, a partir do momento em que o Butantan e a Fiocruz conseguirem iniciar a produção em série, o ritmo não para mais e serão quase dois milhões de doses por dia. O nosso desafio será fazer chegar esse volume. Chegando, tende a ser rápido.
Passada a pandemia, com a população vacinada, o coronavírus vai deixar, ao menos, algum legado para a estrutura de saúde do estado?
Essa foi uma estratégia acertada nossa. Já era parte do nosso plano de governo potencializar a saúde regionalmente. A ideia sempre foi evitar o traslado, o turismo de ambulância, que muito se fala em saúde. O que aconteceu com a pandemia foi que antecipamos investimentos que estavam programados agora para a segunda metade do mandato; e conseguimos fazer. O hospital de Ivaiporã estava programado para inaugurar agora em março. O hospital de Guarapuava era para ser concluído em março. O hospital de Telêmaco Borba estava pronto há 14 anos, mas era só as paredes. Não tinha nem projeto de UTI lá. Nós organizamos projeto de UTI, reorganizamos UTI neonatal, equipamos todo o hospital, que hoje atende toda a região dos Campos Gerais. O Hospital de Reabilitação, aqui em Curitiba, atendia, em média, 60 pessoas por mês. Um baita de um hospital. Colocamos o Hospital do Trabalhador para administrá-lo e passamos a atender 600 pacientes por mês. Hoje temos 30 leitos de UTI alí. A gente potencializou, reorganizou. Assumimos o governo com 1.200 leitos de UTI SUS no Paraná. Colocamos mais 1.200, dobramos o que o Paraná havia feito nos últimos 30 anos. Foi uma força-tarefa gigante. Mérito da secretaria de saúde, dos profissionais. O Paraná foi referência no Brasil na compra de respirador no auge da pandemia, quando faltava respirador no planeta. Não podemos comemorar, perdemos muitas vidas de paranaenses, mas temos sim motivos para nos orgulhar da forma como nos organizamos para enfrentar tudo isso. Tomamos uma decisão dura de não fazer hospital de campanha, sem saber se nosso sistema daria conta, mas conseguimos e deixamos esse legado para as futuras gerações. Hoje, no Brasil, ninguém tem um sistema regionalizado, robusto, com hospitais modernos, como tem o Paraná.