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O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR) declarou inconstitucional, por unanimidade de votos, a lei estadual 20739/2021, que regulamentou o homeschooling no Paraná. Todos os desembargadores do colegiado acompanharam o voto do relator da ação, desembargador Rogério Kanayama, que viu inconstitucionalidade formal na lei por “usurpação da competência legislativa privativa da União”.
Os desembargadores seguiram a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que considera que o ensino domiciliar não é incompatível com a Constituição Federal, mas precisa ser regulamentado por lei federal, aprovada pelo Congresso Nacional, uma vez que a legislação sobre diretrizes e bases da educação é de competência exclusiva da União.
“Temos aqui premissas já estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal e já julgadas, também, por esse Órgão Especial (em ação que considerou inconstitucional a lei municipal de Cascavel): a compatibilidade do homeschooling com a Constituição Federal; a ausência de sua autoaplicabilidade, dependendo de deliberação e regulamentação por lei federal através do Congresso Nacional; e a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional”, comentou o relator, em seu voto. “A lei das diretrizes e bases da educação nacional elegeu a educação formal, por meio de estabelecimento oficial de ensino, com obrigatoriedade de matrícula e frequência da criança em instituição de ensino. A criação de uma nova modalidade de ensino não prevista pela legislação federal é usurpação da competência legislativa privativa da União. Não vejo, então, como fugir da declaração de inconstitucionalidade formal da lei impugnada”, votou, sendo acompanhado por todos os colegas de colegiado.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi movida pelos deputados de oposição da Assembleia Legislativa do Paraná e a Federação Interestadual de Trabalhadores na Educação. Em sua sustentação oral, a advogada que representou a bancada autora da ação, Ligia Ziggiotti, afirmou que “declarar a lei inconstitucional é firmar um posicionamento contra o autoritarismo”. Ela sustentou que “aceitar a educação domiciliar como legislação estadual é, além de uma aberração em termos de competência legislativa, desproteger a criança e o adolescente do Paraná, porque passam de sujeitos de direito, destinatários de uma rede firme de agentes comprometidos com sua formação, para objetos que só recebem vontades, convicções e visões de mundo de sua própria família, ficando, dessa existência, excluídos os demais agentes, como escola, comunidade científica, ministério público, conselho tutelar, amigos e colegas, pluralidade de vozes, de cenários, de imagens, de práticas e de saberes”.
O advogado da Assembleia Legislativa, Luiz Fernando Feltran, e o procurador do Estado Julio da Costa Rostirola Aveiro defenderam a constitucionalidade da lei aprovada pela Assembleia e sancionada pelo governador Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) com base na tese da competência concorrente. “O artigo 12 da Constituição do Estado dá ao estado a competência para legislar sobre os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. O processo legislativo foi um ato jurídico perfeito, lícito e correto, como deve ser na democracia representativa”, afirmou Feltran. “A premissa do STF estabelece que o homeschooling não é incompatível com a Constituição Federal. Reclama-se, para seu desempenho, uma regulamentação por lei. Não havendo lei federal que a regulamente, há sim a competência concorrente e o estado pode legislar sobre o tema. As normas gerais são de competência da União, a lei estadual se insere nestas normas gerais. Pela ausência de lei federal, o Paraná tem competência legislativa plena”, sustentou Aveiro, sem conseguir convencer os desembargadores.
O julgamento foi feito pelo “rito abreviado” do Órgão Especial e a decisão já é de mérito, devendo os efeitos da lei estadual do homeschooling ficarem nulos a partir da publicação do acórdão da decisão. O Governo do Estado e a Assembleia Legislativa ainda podem recorrer às instâncias superiores.