O principal argumento do Ministério da Infraestrutura para propor um modelo híbrido de leilão para as novas concessões rodoviárias do Paraná é a garantia de cumprimento do cronograma de investimentos previstos para os seis trechos do Anel de Integração do Paraná. São R$ 42 bilhões em obras previstos para os primeiros nove anos de contrato. Para o governo federal, a limitação do desconto que pode ser oferecido no leilão, bem como a cobrança de uma outorga (que será reinvestida nas próprias rodovias) evita a participação de “aventureiros” no leilão e garante que o trecho será concedido a uma empresa capaz de arcar com os investimentos previstos.
Apesar da pressão de políticos e do setor produtivo paranaense, o governo federal resiste a um modelo pela menor tarifa, apegando-se a problemas ocorridos em licitações do passado, quando empresas e consórcios venceram os leilões com proposta de tarifas muito baixas e não conseguiram honrar o contrato, sendo abertos, em alguns casos, processos de devolução das concessões.
Nos leilões da 3ª fase de concessões rodoviárias, no governo Dilma Rousseff, o modelo da menor tarifa foi adotado. Com a economia do país em um momento de crescimento e otimismo do mercado, grandes grupos de infraestrutura do país e do exterior protagonizaram leilões disputados e quem arrematou as concessões precisou fazer propostas ousadas, com deságios na tarifa base que variaram de 45% a 61%.
Com o pedágio muito abaixo da tarifa base calculada pela Agência Nacional de Transporte Terrestre, a crise econômica que atingiu o pais logo depois dos leilões e, também, a eclosão da Operação Lava Jato que, além de atingir diretamente algumas das empresas participantes dos consórcios que administravam as rodovias, também inviabilizou o financiamento do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDES) às empresas, levaram algumas das concessões a descumprirem o contrato e serem obrigadas, ou amigavelmente ou por determinação judicial, a devolverem as concessões. A coluna explica, abaixo, o que aconteceu com quatro concessões que foram devolvidas ou estão em processo de devolução.
“As concessões que fracassaram quebraram por conta da Lava Jato, não porque propuseram a menor tarifa. Há mecanismos para garantir o cumprimento dos contratos que podem ser colocados no edital, como seguro-garantia, caução de investimento, obrigatoriedade de apresentação do parceiro financeiro, previsão de responsabilização civil”, critica o vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria, Edson Campagnolo. “Todas esses mecanismos já estavam previstos nestes contratos anteriores. As concessões entram em processo de devolução, mas entre o descumprimento dos contratos e uma nova licitação, com as negociações, arbitragens e, até questionamentos judiciais, perdemos anos sem que as obras sejam realizadas”, argumenta o secretário nacional de Transportes Terrestres, Marcello da Costa Vieira.
Concessões rodoviárias devolvidas à União
Em agosto de 2017, o governo federal declarou a caducidade da concessão do trecho de 624,8 km da BR-153, entre Anápolis (GO) e Aliança do Tocantins (TO), que era administrado pela Galvão 153, da Galvão Engenharia, grupo atingido pela Operação Lava Jato. Foi a primeira vez na história que o governo recorreu a esse dispositivo e retomou uma concessão.
O contrato de concessão foi assinado em setembro de 2014. Mas a empresa não conseguiu executar os investimentos previstos, que deveriam chegar a R$ 4,3 bilhões em 30 anos, sendo R$ 2,7 bilhões (62,8%) nos primeiros cinco anos, dos quais R$ 1,5 bilhão em obras de duplicação.
Um relatório da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), de junho de 2016, apontou que todas as obras iniciadas pela concessionária estavam paralisadas, aguardando pedido de prorrogação contratual e liberação de empréstimos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Em janeiro deste ano a Agência Nacional de Transportes Terrestres publicou o novo edital de licitação da rodovia, com o leilão previsto para 29 abril. Será o primeiro leilão da história do setor de infraestrutura feito pelo modelo híbrido (o mesmo que o governo pretende aplicar no Paraná), que prevê a combinação dos critérios de menor tarifa e de maior valor de outorga no leilão. A tarifa básica máxima a ser considerada é de R$ 0,12200 por quilômetro para trechos homogêneos de pista simples e R$ 0,17081/km para pista dupla. Sobre essas tarifas, podem ser oferecidos no leilão descontos de até 16,25%.
O trecho de 936 km da BR-040 em Brasília e Juiz de Fora foi arrematado, em 2013, pela Invepar, grupo que tinha entre os sócios a construtora OAS, envolvida na Lava Jato. Em 2017, a empresa apresentou pedido de devolução da concessão, alegando que “as condições de financiamento bancário para investimentos foram modificadas, houve atrasos e fragmentação na emissão das licenças ambientais para execução de obras e, além disso, a redução significativa da atividade econômica brasileira afetou diretamente o tráfego de veículos e passageiros”. A concessionária alegou, na época, que havia arrecadado R$ 1,3 bilhão com a cobrança de pedágio, enquanto investiu R$ 1,78 bilhão.
A concessionária foi a primeira a ter a devolução da concessão aprovada pela ANTT, em 2019, e o Ministério de Infraestrutura incluiu o trecho da rodovia no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) para relicitação. Em dezembro de 2020, a empresa assinou com o governo federal um termo aditivo para manter a administração da rodovia por mais 24 meses, até que a nova concessionária assuma o trecho. Como a concessão do trecho entre o Rio de Janeiro e Juiz de Fora da mesma rodovia vence neste ano, o Ministério dos Transportes pretende fazer uma nova divisão dos trechos antes da relicitação.
Desde que assinou a devolução, até a conclusão da nova licitação, a Invepar limita-se aos serviços de manutenção, sinalização e socorro mecânico na rodovia, não realizando novos investimentos. Segundo a própria concessionária, apenas 8% do cronograma de obras foi concluído.
O pedido de relicitação da BR-163 (MS) foi requerido em dezembro de 2019 e aceito pela ANTT em outubro do ano passado. A rodovia – de 847,2 km, que corta o Mato Grosso do Sul, ligando o Mato Grosso ao Paraná – é administrada pela concessionária MS Via, controlada pela empresa de infraestrutura CCR, que tem como sócias a Camargo Corrêa e a Andrade Gutierrez, ambas envolvidas na Lava Jato. A estrada foi arrematada no leilão com deságio de 52,74%, em 2014. O contrato previa a duplicação de 798 km, mas, desde 2017, as obras estão suspensas, com apenas 138,5 km duplicados. Naquele ano, a concessionária interrompeu as obras e pediu a revisão do equilíbrio econômico-financeiro do contrato por conta de “condições adversas da economia”, combinada com prejuízos decorrentes do atraso na emissão da licença ambiental. Em 2019, com a regulamentação da lei que possibilitou a devolução amigável das concessões, a CCR solicitou que o trecho rodoviário fosse incluído no programa de relicitações.
O trecho da BR-393 entre a Via Dutra, no Rio de Janeiro, e a divisa com Minas Gerais, conhecido como Rodovia do Aço, foi licitado em 2008, e concedido ao grupo espanhol Acciona, por 25 anos, na segunda etapa das concessões rodoviárias federais. Dez anos depois de assumir a concessão, no entanto, a empresa solicitou a devolução do trecho de aproximadamente 200 km. A concessionária vinha apresentando lucros anuais em seus balanços públicos, mas estava sendo cobrada pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas da União por não estar cumprindo o cronograma de obras previsto no contrato. Com muitos trechos urbanos na rodovia que corta sete municípios do interior do Rio de Janeiro e um de Minas Gerais, a concessionária alegou problemas com desapropriações para realizar as obras de duplicação programadas. Em 2018, no entanto, o grupo KT2 assumiu o trecho pelos 15 anos restantes de concessão, mantendo a estrutura e as tarifas de pedágio nos patamares anteriores e fazendo um aporte de R$ 200 milhões como garantia de fluxo de caixa para administrar a rodovia.
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