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Roger Pereira

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A política do Paraná em primeiro plano

Educação

Na equipe de transição, reitor da UFPR diz que é preciso “redignificar” a universidade pública

Ricardo Marcelo Fonseca, reitor da UFPR, compõe o GT da educação da equipe de transição do governo federal. (Foto: Jonathan Campos/Arquivo/Gazeta do Povo)

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Presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Marcelo Fonseca, foi nomeado pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), para o grupo de trabalho da educação, na equipe de transição.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Fonseca disse que irá trabalhar no diagnóstico da situação do ensino superior no país e adianta que o ponto prioritário da colaboração será na questão orçamentária, “mostrando que as universidades vêm sofrendo cortes progressivos desde 2017” e que, hoje, não conseguem pensar no futuro porque apenas “lutam para subsistir”.

Fonseca também lembrou os embates políticos que as universidades públicas tiveram no atual governo, disse que a pauta de costumes não tem nada a ver com a pauta das universidades e que o momento é de “redignificar” a universidade pública. Confira a entrevista abaixo.

Qual será a sua participação neste grupo de trabalho sobre educação? O que a equipe de transição disse esperar do senhor?

Acho que a expectativa é coletiva, não individual. Eles fizeram um grupo bastante plural, com representantes de vários setores da educação, com gente dos vários níveis de educação. O que, naturalmente eu pressuponho, é que eu, como presidente da Andifes, fui chamado para contribuir, em particular, no que diz respeito às políticas do ensino superior. Na primeira reunião, foram criados subgrupos temáticos dentro da educação. Eu já me inscrevi ali nos grupos que dizem respeito à educação superior, na graduação, na pós-graduação e, também, na parte de normativa. É nisso que pretendo contribuir. É o debate que nós fazemos, é aquilo que nós temos sentido na nossa atuação nos últimos anos. E acho que temos bastante a dizer e a diagnosticar com relação a isso.

Esse trabalho da equipe de transição vai se limitar em diagnosticar o que está funcionando e quais são as carências no atual governo, ou já dá para propor políticas públicas para a área?

Teve um governo eleito a partir de um programa registrado no TSE. Então, não cabe a esse grupo de transição inovar com relação a propostas que uma candidatura vencedora já sufragou nas urnas. Esses grupos de transição são todos regulados em lei. Existe uma legislação específica para isso. O nosso papel, que agora ficou mais claro ainda depois dessa primeira reunião, é o de fazer levantamentos de dados e diagnósticos com relação às nossas respectivas áreas temáticas. Para termos um levantamento da situação, para poder passar a quem vier a ocupar o próximo governo, para que se perceba onde que estão as emergências, as crises, os pontos em que haja eventualmente a necessidade de uma atuação imediata. A proposição, enfim, de normativas para fazer essa conexão com o governo que vier a entrar, para subsidiar o novo ministro com dados. Esse próximo passo é uma espécie de elo que vamos fazer entre o governo antigo e o próximo, fazendo esse levantamento de dados, seja no TCU, seja, no nosso caso, no Ministério da Educação, com os diagnósticos que nos cabem.

Como reitor da UFPR, o senhor viveu o contingenciamento de recursos que ocorreu antes mesmo da pandemia de Covid-19, no ano de 2019, os cortes por conta da pandemia e, agora, em 2022, com a situação sanitária se normalizando, nova redução de repasses às universidades. A questão orçamentária é o principal problema na educação superior?

Eu não tenho dúvida. Isso vai ser o meu diagnóstico. Claro, temos muita coisa a diagnosticar, mas o primeiro passo para que as universidades, os institutos e o sistema de educação federal comecem a tirar os pés da lama é uma rede de significação orçamentária. Eu sou reitor desde os últimos dias de 2016, então, posso falar desse período desde 2017. Então já nem era o atual governo, começou no governo do Michel Temer (MDB). A gente está tendo cortes que são progressivos nas verbas chamadas discricionárias, aquelas que nos servem para viver o orçamento a cada ano. Quer dizer, há uma retórica de que de 2021 para 22 houve um aumento. Mas esse aumento não conta, por duas razões: em 2021 nós estávamos remotos e 2022 foi o ano do retorno presencial integral de todas as universidades. Então é outro padrão orçamentário, porque teve inflação e, sobretudo, porque teve, entre maio e junho de 2022, um bloqueio orçamentário.

Nesse caso, não foi nem contingenciamento. Foi um bloqueio orçamentário de 7,2% nos nossos orçamentos, o equivalente a um mês. Ou seja: a gente começou o ano com um planejamento orçamentário, porque a lei orçamentária de 2022 foi votada no finalzinho do ano passado, e chega na metade da execução orçamentária e praticamente um mês do orçamento, que já era claramente insuficiente, é cortado.

Então a gente está, hoje, todas as universidades, todos os institutos, numa situação de penúria, de drama orçamentário. Acho que a questão orçamentária é a primeira a ser colocada, por várias razões. Primeiro, porque essa discussão foi contaminada com narrativas que eu chamaria de surreais ao longo de todo esse período, não só nesse ano, mas de todo o período. Quer dizer, quando a gente falava que o orçamento das universidades estava inviável, vinha uma narrativa maluca para dizer que nós estávamos nadando em dinheiro, porque já tinha muito dinheiro ou porque a universidade tinha muita gordura para queimar, o que é uma coisa contrafactual. Basta você pegar gráficos, planilhas. É uma realidade auditável que, repito, essas narrativas, que inclusive contaminavam certos meios de comunicação, mas também nas redes sociais, tentam negar. A gente precisa colocar os pés na realidade em primeiro lugar. E a realidade é a beira de um colapso.

A gente precisa então tentar virar esse jogo e tomar pé dessa realidade, porque as universidades precisam voltar a ter papel estratégico para o país e para o desenvolvimento estratégico, para a soberania na formação de nossa população, para a inclusão estratégica numa série de projetos nacionais.

Mas, para a gente voltar a desempenhar isso com toda a plenitude, que é fundamental para o futuro de qualquer nação. A gente precisa deixar de se preocupar só em subsistir e em sobreviver, que tem sido a nossa realidade nos últimos tempos. A gente não pode ficar a cada final de exercício orçamentário com a grande preocupação sendo como é que a gente fecha as contas, quem que a gente demite de terceirizado, que bolsa que a gente corta. Precisamos começar a pensar, prospectivamente, em termos de projetos e de como a universidade está a serviço do Brasil.

Além da questão orçamentária o que o senhor espera avaliar e aprofundar neste trabalho de transição?

Dadas as condições de sobrevivência da universidade, eu vejo um leque imenso de questões, como a dos hospitais universitários. Há o problema da permanência estudantil do seu financiamento. Os dados do Censo da Educação Superior mostram uma evasão dramática, que a gente tem que tentar reverter. Consolidar as expansões que foram feitas no passado e que não tiveram apoio nos últimos anos. As expansões que as universidades fizeram, os campi novos. Problemas de vagas, sobretudo para as universidades mais recentes. Existem instituições de ensino superior que estão numa situação de penúria no que diz respeito à força de trabalho, por conta dessa política de austeridade fiscal que absolutamente não abria nenhuma vaga para desempenhar o serviço público que as universidades precisavam. Temos que pensar para além desses problemas passados. O que significa a educação do futuro? Podemos olhar para essas transformações tecnológicas, o modo como nós nos modernizamos e entramos efetivamente no mapa da discussão de ponta mundial com relação a isso. São exemplos de uma infinidade de questões que nós temos que nos debruçar.

O ensino superior privado também passa por dificuldades. Vimos muitas instituições fechando ou reduzindo quadros, assim como a oferta de vagas e cursos, drasticamente. Essa questão passa pelo financiamento estudantil?

Eu acho que sim. Nós temos que ver a forma desse financiamento e isso está ligado com o empobrecimento geral da população brasileira, que obviamente afeta as instituições privadas, mas igualmente afeta as públicas. Quando as políticas de permanência passam a ser insuficientes, as pessoas deixam de estudar. As pessoas precisam sobreviver, precisam comer. Mas essas são apenas algumas das questões, né? Eu ainda diria, por exemplo, que tem questões regulatórias no ensino que precisam ser retomadas, porque esses dados do Censo da Educação Superior mostram um crescimento enorme da modalidade da educação a distância. Hoje, no Brasil, está, inclusive, superando a educação presencial. Mas temos que nos debruçar sobre isso para entender seus efeitos e o que isso significa. Avaliar a qualidade e a regulação, as condições de funcionamento, a partir de dados. Essa é a nossa grande tarefa.

O ensino remoto foi a solução para os períodos mais críticos da pandemia, mas, a partir daí, houve um crescimento exponencial da oferta de cursos EaD. A regulamentação desses cursos é satisfatória? É possível garantir qualidade da formação dos alunos que optam por essa modalidade ou mesmo que só tem a ela para recorrer?

Isso não é necessariamente ligado com a pandemia. Nós fizemos muita educação remota na pandemia, todo mundo teve que fazer educação remota, porque a pandemia nos obrigou. Mas até mesmo antes existia uma tendência de crescimento da modalidade da educação a distância, que, tecnicamente, é diferente da educação remota. É um modelo que independe de pandemia, e cuja qualidade precisa ser averiguada de perto, porque o seu crescimento assombra. Hoje, mais da metade dos nossas matrículas existentes são em educação a distância. Isso quer significar alguma coisa, né? A gente precisa fazer esse diagnóstico. Então, em algumas instituições privadas que são, digamos, superprotagonistas dentro da educação a distância, isso está tendo um impacto no número de brasileiros matriculados, que é absolutamente impressionante. Esse é um balanço que tem que ser feito. Não se trata de ser contra essa modalidade, mas averiguar se o Brasil quer, para o futuro, que a maioria dos seus formados sejam pessoas que não estejam naquele tradicional modelo da educação presencial, mas sim um curso 100% a distância.

Além da questão orçamentária, a universidade pública esteve em conflito com o atual governo por conta da pauta política e pela pauta de costumes, que talvez, possa ser resumido pela acusação de “balbúrdia” dentro dos campi universitários. Essa também é uma questão que precisa ser enfrentada, até para melhorar a imagem da universidade pública perante a opinião pública?

É uma tarefa urgente para o país. A pauta de costumes é alguma coisa que não tem nada a ver com a pauta das universidades. A conexão entre uma coisa e outra por uma política moralista e reacionária é antiacadêmica e anticientífica. Aconteceu por razões absurdas. Nós temos que valorizar a universidade pública, se quisermos um país que olhe para e aposte no futuro, nas instituições que são o repositório da inteligência. No caso brasileiro, mais de 90% da produção da ciência vem das universidades públicas. Outros países têm institutos, têm outras formas e instituições de produção do conhecimento. Aqui a inteligência brasileira está nas universidades. Então, se a gente olhar para o futuro sem barbárie, com civilização e com equilíbrio, a gente tem que redignificar, inclusive simbolicamente, as universidades e parar com esse absurdo que há alguns anos tem acontecido, desse tipo de detratação absurda que as universidades têm recebido. A sociedade tem que começar a louvar e agradecer o legado que as universidades têm dado no passado, no presente, e que são capazes de dar um futuro perfeito.

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