Em 1945, quando da primeira edição de A Revolução dos Bichos, George Orwell (pseudônimo de Eric Arthur Blair, 1903-1950, nascido na Índia e educado na Inglaterra) escreveu um prefácio sobre a liberdade de imprensa. Liberdade de imprensa. Não saiu publicado.
O original datilografado só foi encontrado anos mais tarde. Nele, o autor de 1984, aponta que “o inimigo é a mentalidade de gramofone, concordemos ou não com o disco que está tocando agora”. Apesar da aposentadoria do gramofone, Orwell continua atualíssimo. Cada vez mais.
No campo de batalha
Jornalista, crítico e romancista, Orwell integrou o exército britânico na Birmânia e lutou como voluntário na Guerra Civil Espanhola, em defesa da República, é claro. Era marxista-leninista.
Em A Revolução dos Bichos, recorrendo a alegorias, compôs uma sátira bem-humorada ao comunismo stalinista. Ocorre que, Segunda Guerra Mundial, a União Soviética era aliada fundamental para a Inglaterra e os EUA contra o nazismo, daí não haver o menor interesse em provocar ou mesmo cutucar Moscou. Muito menos quando transformava porcos em líderes da revolução (dos bichos).
Ao abordar as imperfeições humanas e, por tabela, criticar o regime stalinista, as editoras colocaram as barbas de molho. Não era conveniente naquele momento. Afinal, como se proclamaria mais tarde, os países não têm amigos, têm interesses.
O livro só foi publicado no fim da guerra.
Prefácio banido
A edição brasileira de A Revolução dos Bichos, Companhia das Letras, 2011, traz o prefácio banido da primeira edição inglesa. Breves trechos:
– Em todas as questões controversas, o ponto de vista russo é aceito sem discussão e em seguida divulgado sem o menor respeito pela verdade histórica ou a decência intelectual.
– Se eu precisasse escolher um texto para justificar-me, escolheria um verso de Milton: “Pelas regras conhecidas da antiga liberdade”. Antiga liberdade. Aí, remete o leitor ao pé de página, onde cita o segundo verso do soneto XII de John Milton (1608-74).
– Aceitaram o princípio de que um livro deva ser publicado ou suprimido, louvado ou condenado, não com base em seus méritos, mas de acordo com a sua conveniência política (referindo-se à intelligentsia britânica).
– A liberdade, se é que significa alguma coisa, significa o nosso direito de dizer às pessoas o que não querem ouvir.
– Neste nosso país, são os liberais que temem a liberdade e os intelectuais que querem jogar lama no intelecto: foi para chamar a atenção para esse fato que escrevi este prefácio.
Vale a pena ler – ou reler – o livro, fazendo o mesmo com 1984, já que o gramofone foi para o museu, mas o disco, com mil – ou miríades – de transmutações, continua o mesmo.
ENQUANTO ISSO…