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Aventura no sebo
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Enquanto se discute a origem dos sebos, gente como Natureza Morta continua frequentando os que existem em Curitiba. Não propriamente, como confessou para o professor Afronsius, vizinho de cerca (viva), em busca de um determinado livro por preço mais barato.
– Vai garimpar livros e outras publicações que permitam duas leituras. A do texto principal e, principalmente, a das anotações que surgem nos cantos das páginas ou em papéis que acabam esquecidos e oferecem adendos – explicou o professor Afronsius. Com um pouco de sorte na busca (ou paciência), você pode levar para casa coisas duplamente interessantes. Bem ao contrário de gente que vai ao cinema e fica comentando o filme ou discutindo com os protagonistas o tempo inteiro. Em voz alta. Incomoda. No livro é silencioso.

Operação concluída com sucesso

Na mais recente incursão aos sebos, o solitário da Vila Piroquinha retornou contente da vida, trazendo numa sacola de pano (ele evita as de plástico) dois livros e uma revista.
No primeiro, As Três Fontes – e as três partes constitutivas do marxismo, de Lenin, da Global Editora, 1978, as anotações, feitas a lápis, transbordavam – festejou.
Para ele, isso é muito bom. Permite auscultar a reação do leitor, seu grau de interesse e conhecimento. Ao contrário do falante espectador de cinema.
– Não sou eu! – intervém Beronha.
Além disso, muitas vezes o leitor decifra certas coisas que o leitor seguinte talvez não saiba. Ou tenha preguiça de ir atrás da resposta, fazendo uma pesquisa – explicou Natureza.
No caso do livro de Lenin, coletou e citou algumas das observações manuscritas. Lenin conta que, em 1841, Karl Marx concluiu seus estudos defendendo uma tese de doutoramento sobre a filosofia de Epicuro. À margem, temos: Epicuro de Samos – em grego, antigo aliado, camarada, 341 a.C. – filósofo do período helenístico.
Mais na frente, Bakunin é citado. Surge a informação paralela: “ideólogo do anarquismo, inimigo do marxismo e do socialismo científico”. Depois, demiurgo: o criador.
Mais exemplos: epigrama – algo breve, dito satírico. Lumpemproletariado: a camada social mais excluída, indivíduos extremamente miseráveis, sem nenhuma consciência política, desvinculados da produção social.
Arrivista: sem escrúpulos, ambicioso, deseja subir socialmente a qualquer custo. Arriviste, francês, do verbo arriver, subir.
– Esse é poliglota – arrisca o professor Afronsius.
– Você quis dizer troglodita – tenta corrigir Beronha.
Já o 18 Brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx, Nova Cultural, 1988, trouxe, ao lado da frase “domínio do sabre e da sotaina”, a anotação “sotaina = batina de padre, padre, sacerdote”.
18 Brumário? Também está lá: segundo mês do calendário republicano, França/23 de outubro a 21 de novembro.

Colocando em xeque

Finalmente, na revista Grandes Líderes da História, número 28, uma revoada de anotações. Na matéria Operação Brother Sam, letras grandonas: Queriam entregar tudo aos gringos; na matéria O ano do grito pela liberdade, surgem verdadeiras pichações, com direito a ponto de exclamação e três pontinhos: Quero entrar no fervo! Che não morreu… Gorilas!
Na página 38, um apontamento que não tem nem poderia ter contestação: Cheque? Só se foi em branco.
Abordando o período Geisel, o jornalista tascou que “as greve começaram a voltar e colocaram o regime em cheque”…
Quanto à origem dos velhos e impávidos sebos, Natureza pediu tempo ao professor Afronsius e ao Beronha, nosso anti-herói de plantão.
– Fica para outro dia. Sem cheque ou xeque.

ENQUANTO ISSO…


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