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BH saiu na frente

Com a divulgação do relatório final da Comissão Nacional Verdade, o prefeito da cidade gaúcha de Taquari não deixou por menos. Promoveu a retirada do marechal Arthur da Costa e Silva do principal ponto turístico da cidade. Como noticiou o jornal Zero Hora, “com auxílio de uma retroescavadeira, a prefeitura derrubou o busto que ficava na Lagoa Armênia, desde 1976”. Foi na tarde de terça-feira. Taquari, por supuesto, é a localidade onde nasceu o seu Arthur. Sobre uma estrutura, o busto chegava a mais de dois metros de altura. Mas, nesse tipo de iniciativa, os mineiros saíram na frente, como se verá.

No museu, com o relatório da CNV

Para o prefeito de Taquari, Emanuel Hassen de Jesus (PT), mais conhecido como Maneco, o relatório da CNV comprovou as atrocidades cometidas pelo presidente, que, assim, não merece uma homenagem na Lagoa.

— É o principal ponto de manifestações culturais da cidade, e a gente sabe que a ditadura foi contra qualquer manifestação, seja de música, dança ou arte. Não tinha mais sentido ficar ali – justificou. Além do mais, o monumental monumento, como diria o Beronha, postado entre o palco de apresentações artísticas e a plateia, atrapalhava a visão do público.

Uma placa explicava que foi na Lagoa Armênia que, na infância, Costa e Silva “organizou seu primeiro pelotão de meninos” e que, quando “presidente”, “comandou com altruísmo o Brasil e o povo brasileiro”.

O busto foi encaminhado para o museu instalado na casa onde Costa e Silva nasceu.

– Museu é para contar história. Vamos colocar lá também uma cópia do relatório da Comissão Nacional da Verdade – arrematou Maneco, agora segundo o jornal Correio do Povo.

De volta a 1980

E Dan (Daniel) Mitrione, quem se lembra? Agente da CIA, ministrou técnicas de tortura a brasileiros por conta da ditadura civil militar de 64. Em 1971, “um vereador amigo tomou a iniciativa de homenageá-lo, apresentando projeto para batizar com seu nome uma rua de Belo Horizonte”. Mas, nos anos 1980, a Rua Dan Mitrione, no Bairro das Indústrias, acabou rebatizada, passando a levar o nome José Carlos da Matta Machado, em homenagem a um dos mineiros mortos pela repressão.

Sobre Dan Mitrione, a Revista de História da Biblioteca Nacional, edição de julho de 2008, traz sob o título “O instrutor” um artigo assinado por Rodrigo Patto Sá Motta, professor de História da UFMG e autor dos livros Em guarda contra o perigo vermelho, o anticomunismo no Brasil (São Paulo: Fapesp-Perspectiva, 2002) e Jango e o golpe de 1964 na caricatura (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006).

Revela que, “antes de se tornar professor de tortura e acabar assassinado por guerrilheiros uruguaios, o americano Dan Mitrione treinou policiais em Belo Horizonte e virou até nome de rua”.

Do OPS ao cinema-verdade

Trechos do alentado artigo do professor Rodrigo Patto Sá Motta:

– Quando os tupamaros, revolucionários nacionalistas uruguaios, sequestraram o cidadão norte-americano Daniel A. Mitrione, ele era quase um desconhecido. Após negociações infrutíferas para trocá-lo por presos políticos, o refém acabou assassinado, em agosto de 1970.

– A repercussão internacional do episódio trouxe a público a atividade de Dan Mitrione: havia um ano que ele estava no Uruguai, com a missão de treinar policiais daquele país. Era um entre centenas de assessores policiais norte-americanos espalhados pelo mundo, atuando para o Programa de Segurança Pública (OPS, na sigla em inglês) da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid).

– O caso ganharia ainda mais notoriedade três anos depois, com o lançamento do filme Estado de Sítio (État de siège, 1973), do grego Constantin Costa-Gavras. Embora no cinema o protagonista se chamasse Philip Michael Santore e fosse interpretado pelo elegante francês Yves Montand (o Mitrione real fazia o estilo corpulento), a narrativa é fiel às informações disponíveis sobre o episódio.

De Richmond para BH

– Na época, já pipocavam na imprensa americana denúncias sobre a prática de tortura nos países aliados da América do Sul, principalmente no Brasil. E Mitrione, antes de embarcar rumo à morte no Uruguai, vivera dois anos em Belo Horizonte.

– Ex-chefe de polícia de Richmond, no estado de Indiana, ele chegou à capital mineira em 1960. Era um policial bastante experiente, mas sem envolvimento conhecido com atividades de repressão política. A estratégia da Usaid com seu programa de segurança pública era investir pesado para conter a ameaça comunista. Policiais locais, devidamente treinados, formariam a “primeira linha de defesa” contra subversivos, reprimindo greves e outras formas de desobediência civil e produzindo informações para desbaratar as organizações inimigas. Somente no caso de o aparato policial mostrar-se insuficiente é que as Forças Armadas locais deveriam ser acionadas.

Usaid comemora o golpe civil militar

Ainda do professor Patto Sá Motta:

– A assessoria aos mineiros terminou no fim de 1962, quando o policial americano recebeu uma promoção, sendo transferido para o Rio de Janeiro e assumindo uma função de supervisão no programa. Ele ficaria no Brasil por mais alguns anos, inclusive depois do golpe militar, evento, por sinal, comemorado pelo pessoal da Usaid. Um dos assessores policiais registrou, satisfeito, que em todos os estados onde atuavam a polícia ficou “do lado certo” no momento do golpe.

– Seu bom desempenho no Brasil o credenciou ao cargo de instrutor da Academia Internacional de Polícia, em Washington, onde lecionou entre 1967 e 1969. Foi quando aceitou ser transferido para Montevidéu, atrás de um salário mais alto.

Um erro fatal.

ENQUANTO ISSO…

19 dezembro (1)

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