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Da leitura ao concreto
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Alegre, o professor Afronsius chegou comemorando a notícia: o arquiteto Oscar Niemeyer recebeu alta médica no fim da semana passsada. Aos 104 anos, continua na batalha.
Natureza Morta aderiu de pronto à comemoração:
– Esse Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares…
Depois, no dedo de prosa junto à cerca (viva) da mansão da Vila Piroquinha, a dupla – ou parelha, como diz o Beronha – comentou algumas coisas do mestre.
– Afinal, são tantas… emendou o professor Afronsius.

Devoção à leitura

Certa feita, Niemeyer confessou, em artigo, que, com o tempo, “sentia-me – como a maioria dos meus colegas – pouco informado nos assuntos fora da arquitetura e resolvi deles me ocupar”. E lembrava o conselho de um amigo: “Oscar, leia os gregos e os clássicos portugueses. E li. Li muito. Li como quem nada sabe e tudo quer aprender. Li com a devoção com que lera, anos atrás, a obra de Le Corbusier”.
Começou pelos gregos – “Sócrates e Platão, que, de maneira inteligente, faziam diálogos astuciosos, de exemplar coerência” – e passou aos clássicos portugueses.
“Interessado na literatura, segui em frente lendo, cuidadoso, devagar, os discursos de Vieira, os livros de Herculano, Eça de Queiroz e Machado de Assis. Machado de Assis, a fazer ironias, a invadir a alma de seus personagens”.

Forma clara e simples

Revela ainda que “não tinha pretensões literárias. Queria apenas poder explicar meus projetos de forma clara e simples. E prossegui, debruçado na literatura do Brasil e Portugal, a sentir, em cada um dos que lia, suas grandezas e qualidades”.
Ao passar para os estrangeiros, fica “surpreso com a unidade literária de Camus; a inteligência e cultura de André Malraux; a invasão do ser humano de Freud, Kafka e Dostoiévski; a pureza de Gide e Tchekhov; o realismo de Henri Miller; a agilidade e o talento de Proust; a grandeza dos escritores russos como Tolstoi, Tchekhov, Dostoiévski e Gorki”.

Velho planeta

“Mas, sempre pela rama, sentia que a literatura não me bastava, que precisava conhecer melhor o mundo em que vivemos, o porquê da nossa presença neste velho planeta. E os ensaios sobre a vida, a genética e o cosmo me atraíram. Quanta coisa aprendi a ler Jacob e Monod, a obra de Sartre a nos induzir que toda a vida é um fracasso, a nos explicar seu existencialismo: “A antecipação da existência da criatura sobre a essência.”
– A essência precede a existência – intervém Natureza com a clássica citação.
Dos grandes mestres da poesia, Baudelaire e Neruda, este “a cantar a revolução”.
“Até os livros policiais de Simenon me atraíam, o que, ao comentá-los, deixava irritados nossos intelectuais, que um dia fuzilei contando que nas suas Lettres au Castor Sartre satisfeito disse: Hoje li três livros de Simenon”.
Quando um escritor o fascinava, Niemeyer diz que tratava de ler sua correspondência. “Quantas coisas aprendi lendo as cartas de Lenin a Gorki e Tchekhov, as memórias de Gide, Buñuel e tantos outros!”

Opção pelo cotidiano

Declarando preferir a linguagem simples, do cotidiano, cita Moravia: “A literatura se engrandece quando se aproxima da linguagem oral”.
Mas, se os livros de conteúdo social o entusiasmavam, “outros, que nada disso oferecem, também me atraíam. Era a pureza literária a dispensar outros predicados, embora, juntos, pudessem, sem dúvida, se enriquecer ainda mais. Mas como a beleza se impõe! E lembro estes versos magníficos de Freire (Ricardo Jaimes Freire), transcritos num livro de Jorge Luiz Borges:
Peregrina Paloma imaginaria/Que enardeces los ultimos amores/Alma de luz, de música e de flores/Peregrina Paloma imaginaria.
E o comentário de Borges: Esse verso não explica absolutamente nada. Mas para mim é inesquecível”.
Finalizando o papo, o professor Afronsius não resistiu. Abriu a caixa de ferramenta:
– E aí, um certo jornalistinha de uma certa revistinha, adepto do patifar, forçado a reconhecer a importância da obra do arquiteto, escreveu que, no entanto, Niemeyer tinha dois vícios: fumava e era comunista. Só faltou dizer que recebia o tal ouro de Moscou e comia criancinhas…

ENQUANTO ISSO…


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