Um tanto quanto chateado, o professor Afronsius procurou Natureza Morta junto à cerca (viva) da mansão da Vila Piroquinha.
– Ademilde morreu.
– Sim. Terça-feira, no Rio. 91 anos.
Ademilde Fonseca Delfino, conhecida como “a rainha do chorinho”, era potiguar. Nasceu em Pirituba, município de Macaíba. Foi a primeira artista a gravar clássicos do choro, caso de Tico-tico no Fubá. Trabalhou na fase áurea da TV Tupi e das rádios Tupi e Nacional. Continuava em atividade, mesmo enfrentando problemas cardíacos. Gravou dois programas para a Globo News e fez shows em Porto Alegre, na semana passada.
Professor Afronsius:
– É, estamos cada vez mais sozinhos…
Tentando mudar o tom da conversa, Natureza lembrou que, antigamente, era comum chamar de Ademilde Fonseca a pessoa que vivia reclamando da vida, chorando pelas paredes e espargindo lamúrias. A turma pegava no pé:
– Lá vem a rainha do chorrinho…
Fizeram história
Voltando a falar sério, a dupla citou outros grandes nomes da música e da luta das mulheres. Caso de Chiquinha Gonzaga. A seção Achados&Perdidos, exclusiva do blog, foi buscar informações em vários livros, incluindo o Oitenta anos de Brasil. Abolicionista, líder na campanha para a implantação da República, maestrina, compositora, irreverente e feminista, Chiquinha Gonzaga nasceu no Rio de Janeiro a 17 de outubro de 1847. Morreu aos 87 anos, em fevereiro de 1935. Deixou quase duas mil músicas.
Aos 11 anos, compôs a primeira, Canção dos Pastores. Casada aos 13 anos com um oficial da marinha mercante (marido escolhido pelos pais), aos 18 anos, com três filhos, abandonou o sujeito. Não se abatia diante das dificuldades. Numa sociedade altamente repressora, dava aulas de piano e tocava em festas para sustentar os filhos, até conseguir seu espaço.
Abolicionista de porta em porta
Seu primeiro sucesso foi a polca Atraente, de 1877. Em 1885, ano em que musicou a opereta A Corte na Roça, de Francisco Sodré, tornou-se a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil, ao conduzir a banda da Polícia Militar. Vida intensa. Mas conseguia tempo para trabalhar e se dedicar à militância política: de porta em porta, Chiquinha vendia partituras para ajudar a campanha pela libertação dos escravos. Viajou para a Europa, onde musicou peças e fez apresentações em vários teatros. Antes disso, escreveu a primeira marcha carnavalesca, em 1899, com os versos que se tornaram famosos até hoje:
– Ô, abre alas/que eu quero passar…
Entre 1885 e 1933, Chiquinha musicou 77 peças teatrais, compondo valsas, polcas, tangos, maxixes, quadrilhas, fados, serenatas e até música sacra. Precursora da liberdade feminina, Chiquinha Gonzaga lançou moda: o penteado rabo-de-cavalo.
Fim de papo, a dupla saiu de cena cantarolando, para espanto do Beronha, que acabava de chegar:
Ô abre alas/
Que eu quero passar/
Ô abre alas/
Que eu quero passar
Eu sou da Lira/
Não posso negar/
Eu sou da Lira/
Não posso negar
Ô abre alas/
Que eu quero passar/
Ô abre alas/
Que eu quero passar
Rosa de Ouro/
É que vai ganhar/
Rosa de Ouro/
É que vai ganhar.
ENQUANTO ISSO…