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De porta em porta

Atento observador da cena urbana – e rurícola, inclusive, posto que não perde uma Expedição Safra, do suplemento Caminhos do Campo -, Natureza Morta acabou registrando a passagem diária de um homem com uma cesta de vime – sim, elas ainda existem -, recheada de salames.
Quis saber a origem do produto, mas não obteve resposta.
– Eu apenas faço o comércio de porta em porta – disse o homem.
Comércio de porta em porta. Fazia tempo que o Solitário da Vila Piroquinha não encontrava um representante da velha prática de venda, que agora, parece, mudou de nome.
– Comércio de porta em porta é muito mais chique do que braço fixo – interveio Beronha, dando razão ao vendedor.
Braço fixo? Bem lembrado.

Quem bate?

Nos antigamente, como diz o nosso anti-herói de plantão, braço fixo era o cara que saía com gravatas estendidas sobre o antebraço à procura de interessados. Muitas vezes batia à porta. Dim-dom.
– Não era Avon chama, muito menos o frio de uma propaganda na televisão: quem bate? É o frio!
E aí vinha uma música, com a resposta: não adianta bater/ eu não deixo você entrar/ nas Casas Pernambucanas/ nesse inverno eu vou comprar/ lãs, cobertores etc etc.
Pois é. E o solitário da Vila Piroquinha quis saber de onde Beronha tirou essas informações.
– Eu também já fui do comércio, vendedor ambulante, ou melhor, bravo participante do comércio de porta em porta – admitiu, mas meio constrangido.
– Não há motivo para ter vergonha em se tratando de um trabalho honesto.
– É, de fato, mas o desonesto não era o produto ou o preço…
Pausa, longo silêncio.
– Qual foi a desonestidade?
– Não, não é qual foi, mas de quem foi…
– Sua?
– Prometi só depor em juízo, mas pra você eu abro exceção…

Uma estarrecedora revelação

Depois, mais calmo, nosso anti-herói de plantão contou que, vendedor de sonhos que sua avó fazia em casa, perambulava bastante pela Vila Piroquinha.
– Como pegava cedo no batente, antes de iniciar as vendas eu já estava com uma baita fome. Não havia como resistir: metia o dedo na brecha do sonho, retirava o naco de marmelada e vupt, mandava pra dentro.
– Um pecadilho, um pecado venial, era apenas um sonho – tentou amenizar Natureza.
– Que nada. Eu fazia isso em todos os sonhos. Além de dar uma lambida no açúcar…
Natureza pensou, antes de pedir pano rápido:
– Ainda bem que o salame do nosso amigo vem em saco plástico e não tem nenhum recheio.

ENQUANTO ISSO…


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