Não são poucas – ou mesmo improcedentes – as críticas ao limitado alcance da Comissão da Verdade, instituída para que a sociedade possa saber o que aconteceu nos porões da ditadura civil-militar de 64, e de tal modo que tais fatos não se repitam. É que a exigência do respeito absoluto à Lei da Anistia (1979) fez com que a comissão nascesse derrotada. O jornalista José Arbex Jr., por exemplo, escreveu na revista Caros Amigos que a Lei da Anistia virou “o epitáfio da Comissão da Verdade”.
Prêmio Esso de Jornalismo
“Doca” e “Sônia” – Codinome Liberdade. Com este título, o jornal O São Gonçalo publicou em outubro de 2008 uma série de quatro reportagens dos jornalistas Diego Barreto e Ari Lopes. Traz a biografia dos gonçalenses Daniel Ribeiro Callado, o Doca, e Lúcia Maria de Souza, a Sônia.
Ele, metalúrgico e promessa como jogador de futebol, e ela, estudante de Medicina. “Movidos por ideais políticos, deixaram suas vidas para trás e decidiram seguir rumo à floresta amazônica para lutar contra a ditadura militar na Guerrilha do Araguaia”.
Para o repórter Diego Barreto, o mais difícil foi encontrar vestígios da história dos dois em sua cidade natal. “Lembro que essa matéria começou a ser elaborada em 2006. Deu muito trabalho porque tínhamos apenas os nomes deles. Depois de muito tempo foi que chegamos a amigos e parentes, em dois anos de pesquisa”.
Como assinala a primeira reportagem da série, “quando uma guerra acaba a história costuma sempre ser escrita pelos vencedores”, mas valeu o trabalho e a dedicação dos jornalistas.
Aquele outubro de 2008 marcou os 35 anos da morte de Lúcia Maria de Souza, a Sônia. Já Daniel Ribeiro Callado, o Doca, que teria completado 64 anos – continuava na lista de desaparecidos há 34 anos.
As reportagens colocaram O São Gonçalo entre os finalistas do Prêmio Esso de Jornalismo, edição 2009. Foi pouco, mereciam muito mais, o prêmio máximo.
De craque a guerrilheiro
Ficamos sabendo que “antes de abraçar o sonho socialista e a luta no Araguaia, Doca brilhou como jogador de futebol”. Metalúrgico de profissão, “ele – zagueiro central – poderia ter estado ao lado de ídolos como Gérson, Rivelino, Carlos Alberto e Pelé na conquista da Copa de 1970, no México”. Foi, inclusive, campeão estadual pela Seleção de São Gonçalo na década de 1960, antes de partir rumo à guerrilha. Daniel “era um gênio”, segundo companheiros de futebol.
Em abril de 1964, “um dia ele saiu para trabalhar e nunca mais retornou”, conforme depoimento da irmã, Miriam. Em 1974 passaria a constar da lista de desaparecidos.
Da Medicina à guerrilha
Na matéria A parteira da selva, a história de Lúcia Maria de Souza: de família humilde, ela trocou a Faculdade de Medicina pela guerrilha no Araguaia, para onde seguiu em fevereiro de 1971. Lá, adotou o codinome Sônia. “Com muito carisma entre a população, acumulava duas funções de extrema importância: liderava os grupos que trabalhavam na derrubada da mata para a instalação dos acampamentos e, com seus os conhecimentos de Medicina, fazia partos atendendo famílias ribeirinhas do Araguaia”. Na década de 1980, famílias da região reafirmavam a gratidão pela ajuda e assistência médica que receberam dos “jovens militantes”.
Sônia foi morta numa emboscada do Exército, dia 24 de outubro de 1973.
Fechando a série, o jornal lembra que, “passados 35 anos, famílias cobram explicações sobre a morte de Lúcia (teria sido metralhada por toda a tropa até tombar morta com cerca de 80 tiros) e o sumiço de Daniel”.
No site de O São Gonçalo, a íntegra das reportagens de Diego Barreto e Ari Lopes. Para boa parte dos jornalistas integrantes da comissão julgadora de 2009, é o verdadeiro Prêmio Esso de Jornalismo daquele ano.
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