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Duas ou três coisas que sei do Vampiro
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Canta a tua aldeia e serás universal. Quem passou a lição foi Leon Tolstói (1828 – 1910).
Vai daí que, computando-se, é claro, o talento e a cultura, o nosso prezadíssimo Dalton Trevisan ganhou o Prêmio Camões. Criado em 1988, é o principal reconhecimento da literatura em língua portuguesa.
A turma do dedo de prosa junto à cerca (viva) da mansão da Vila Piroquinha comemorou. Inclusive com a participação de Carlos Alberto Marin, um dos leitores entusiastas ou entusiastas leitores do Vampiro de Curitiba.

Meros registros

Aproveitando, Natureza Morta fez pequenas revelações sobre o Dalton cidadão. Em seu registro de nascimento, por exemplo, temos Dalton Jérson Trevisan.
– Isso mesmo, Jérson com J. Culpa da falta de revisor no cartório?
Certa feita, pela pelos anos 1970, o jornal O Estado do Paraná, em sua edição de domingo, passou a publicar contos de Dalton. Ele fornecia um exemplar do livro mais recente, que estava sendo lançado, e o jornalista limitava-se, é claro, a arrancar (que pecado!) as páginas, colar em papel lauda e mandar para a seção de fotocomposição, onde os tecladores dedilhavan as perfuradoras Varicomp.
Num belo domingo, surpresa: o texto tinha sido empastelado, ou seja, inverteram a ordem das páginas (“não fui eu”, garante Beronha). O conto começava pela parte final e terminava pela inicial.
Segunda-feira, o Vampiro chega à redação, já nas Mercês.
Natureza tremeu na base. A bronca seria feia, sabendo-se que ele é meticuloso, detalhista, de um preciosismo de ourives. E talvez fosse proferida a temida sentença: “Barata leprosa”.
– Quebrou o pau? – quis saber o já aflito professor Afronsius.
– Que nada. Ele limitou-se a apontar a falha e comentar, sorrindo: quase ficou melhor do que o original.
De outra feita, o mesmo editor, agora na Tribuna do Paraná, recebeu um pedido-sugestão. Em off.
– Por que o jornal não passa a publicar a íntegra do depoimento dos homicidas, tomado a termo pelo escrivão na delegacia?
– Não dá, não tem espaço. São muito extensos. Teríamos de jogar o jornal de 12 para 24 páginas.
Ficou a suspeita. O contista garimpava material para dissecar a mente dos marginais. Vampiro de almas.

Pizza e boliche

De outra feita, o Vampiro, quem diria, arriscou aderir a um modismo curitibano. Boliche. Um pequeno grupo de jornalistas frequentava o Bam Boliche, na Marechal Floriano, quase ao lado do Cine Flórida.
– O curitibano deixara de comer pinhão e mergulhava na pizza, seguido do jogo de boliche – comentou o solitário da Vila Piroquinha.
– E ele, jogava bem?
– Era, no boliche, vamos dizer, mediano. Regular do meio. Afinal, ninguém é 100 em tudo.
– Como se entrava em contato com ele?
– Ah, esse é um dos segredos para as catacumbas.
– Tem outros?
– Vários. Segredos firmados em forma de pacto. Dá para quebrar apenas mais um: ele adora música clássica. E entende de música clássica como poucos. O problema é ter o privilégio de um ouvir um concerto na voz do Vampiro. Ao vivo.
– Algo mais?
– Não que se possa declarar impunemente. Já pensou virar uma barata pior do que a do Kafka? O que dá para dizer é que ele vai fazer 87 anos no próximo mês. Mais precisamente no dia… Deixa pra lá, isso é irrelevante.

O fazer literário

Escapou, no entanto, outra possível revelação: a publicação de um de seus livros na Holanda deu muito trabalho. Num dos contos aparecia um besouro junto a uma janela. Janela, sem problema. Mas como transpor besouro para holandês ver? Diante do impasse, o Vampiro resolveu a questão: despachou para a Holanda, numa caixa de fósforos Pinheiro, um besouro.
– Já pensou a confusão de descobrem na alfândega um besouro?
O tradutor pôde, então, fazer a mais correta transposição do texto e tocar em frente o trabalho.
A escolha de Dalton Trevisan no Prêmio Camões foi unânime, destacando a sua “dedicação ao fazer literário”. O escritor Silviano Santiago, um dos integrantes do júri, ressaltou a “contribuição extraordinária de Dalton Trevisan para a arte do conto, em particular para o enriquecimento de uma tradição que vem de Machado de Assis, no Brasil, de Edgar Allan Poe, nos EUA, e de Borges, na Argentina”.
Nada mais justo. Apesar de ti, Curitiba.

ENQUANTO ISSO…


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