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Fábula fabulosa (final, mas não o fim)

De volta à fábula dos porcos assados, passada pelo professor Sérgio Ahrens: metendo fogo nas matas para assar os porcos. A empreitada fracassou. As causas, segundo os especialistas, eram atribuídas à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deveriam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar, ou ainda às árvores, excessivamente verdes, ou à  umidade da terra ou ao serviço de informações meteorológicas, que não acertava o lugar, o momento e a quantidade das chuvas.

As causas eram, como se vê, difíceis de determinar – na verdade, o sistema para assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura: maquinário diversificado, indivíduos dedicados exclusivamente a acender o fogo – incendiadores que eram também especializados (incediadores da Zona Norte, da Zona Oeste, etc, incendiadores noturnos e diurnos – com especialização matutina e vespertina – incendiador de verão, de inverno etc). Havia especialista também em ventos – os anemotécnicos. Havia um diretor geral de assamento e alimentação assada, um diretor de técnicas ígneas (com seu Conselho Geral de Assessores), um administrador geral de reflorestamento, uma comissão de treinamento profissional em Porcologia, um instituto superior de cultura e técnicas alimentícias (ISCUTA) e o bureau orientador de reforma igneooperativas.

Novos bosques e selvas

Havia sido projetada e encontrava-se em plena atividade a formação de bosques e selvas, de acordo com as mais recentes técnicas de implantação – utilizando-se regiões de baixa umidade e onde os ventos não soprariam mais que três horas seguidas.

Eram milhões de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo seriam incendiados. Havia especialistas estrangeiros estudando a importação das melhores árvores e sementes, o fogo mais potente etc. Havia grandes instalações para manter os porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixa-los sair apenas no momento oportuno.

Foram formados professores especializados na construção dessas instalações. Pesquisadores trabalhavam para as universidades para que os professores fossem especializados na construção das instalações para porcos. Fundações apoiavam os pesquisadores que trabalhavam para as universidades que preparavam os professores especializados na construção das instalações para porcos etc.

As soluções que os congressos sugeriam eram, por exemplo, aplicar triangularmente o fogo depois de atingida determinada velocidade do vento, soltar os porcos 15 minutos antes que o incêndio médio da floresta atingisse 47 graus e posicionar ventiladores gigantes em direção oposta a do vento, de forma a direcionar o fogo. Não é preciso dizer que os poucos especialistas estavam de acordo entre si, e que cada um embasava suas ideias em dados e pesquisas específicos.

O efeito do calor, não as chamas

Um dia, um incendiador categoria AB/SODM-VCH (ou seja, um acendedor de bosques especializado em sudoeste diurno, matutino, com bacharelado em verão chuvoso) chamado João Bom Senso resolveu dizer que o problema era muito fácil de ser resolvido – bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal, colocando-o então numa armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor – e não as chamas – assasse a carne.

Tendo sido informado sobre as ideias do funcionário, o diretor geral de assamento mandou chamá-lo ao seu gabinete, e depois de ouvi-lo pacientemente, disse-lhe:

– Tudo o que o senhor disse esta muito bem, mas não funciona na prática. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar a sua teoria? Onde seria empregado todo o conhecimento dos acendedores de diversas especialidades?

– Não sei, disse João.

– E os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os desenhistas de instalações para porcos, com suas máquinas purificadoras automáticas de ar?

– Não sei.

– E os anemotécnicos que levaram anos especializando-se no exterior, e cuja formação custou tanto dinheiro ao país? Vou manda-los limpar porquinhos? E os conferencistas e estudiosos, que ano após ano têm trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que faço com eles, se a sua solução resolver tudo? Hein?

– Não sei, repetiu João, encabulado.

– O senhor percebe, agora, que a sua ideia não vem ao encontro daquilo de que necessitamos? O que o senhor espera que eu faça com os quilômetros e quilômetros de bosques já preparados, cujas arvores não dão frutos e nem tem folhas para dar sombra? Vamos, diga-me.

– Não sei, não, senhor.

– Temos que melhorar o sistema, e não transformá-lo radicalmente, o senhor entende? Ao senhor, falta-lhe sensatez! O problema é bem mais serio e complexo do que o senhor imagina. Agora, entre nós, devo recomendar-lhe que não insista nessa sua ideia – isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo. Não por mim, o senhor entende. Eu falo isso para o seu próprio bem, porque eu o compreendo, entendo perfeitamente o seu posicionamento, mas o senhor sabe que pode encontrar outro superior menos compreensivo, não é mesmo?

João Bom Senso, coitado, não falou mais um “a”.

Sem se despedir, meio atordoado, meio assustado com a sua sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu de fininho e ninguém nunca mais o viu.

ENQUANTO ISSO…

 

 

 

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