Em 1862, em plena Guerra Civil Americana, o então presidente Abraham Lincoln (um republicano declaradamente favorável à libertação dos escravos no Sul) propôs a deportação de “african descendent” para… para a Amazônia, Brazil. Seriam cerca de 4 milhões de pessoas. E o Congresso chegou a aprovar uma verba para o projeto filantrópico. Mas o Brasil, de então, responderia com um enfático não.
Está na edição 156, fevereiro de 2009, da revista Pesquisa Fapesp, texto de Carlos Haag. Os documentos foram levantados pela historiadora Maria Clara Sales Carneiro Sampaio. Em Yale, teve acesso aos mais de dois mil documentos da coleção James Watson Webb Papers, dos anos 1862 e 1863.
“Em meio a uma custosa, em vidas e dinheiro, Guerra Civil, a União estava desesperada por fundos para sufocar a rebelião dos estados confederados”. O presidente Abraham Lincoln, em seu discurso anual, o State of the Union, “ousou pedir ao Congresso a liberação de US$ 600 mil para outro fim que não o conflito”.
“Os congressistas precisam liberar o dinheiro necessário para a deportação de pessoas negras livres para qualquer lugar fora dos Estados Unidos”, afirmou.
Ressalta Carlos Haag: “Não foi a primeira ou a única vez que o governante, um ano antes da proclamação da emancipação dos escravos, falou oficial e publicamente sobre seu interesse em deportar negros. Foram cinco declarações políticas, incluindo-se dois State of the Union e o discurso que precedeu a emancipação.”
– O local onde penso ter uma colônia é na América Central. É mais próxima de nós que a Libéria (território no continente africano, dominado pelos EUA, para onde foram enviados libertos). A terra é excelente para qualquer povo, especialmente a semelhança climática com sua terra natal, sendo, portanto, adequada às suas condições físicas.
Liberdade, coisa perigosa
Lincoln nomeou como representante extraordinário e ministro plenipotenciário James Watson Webb, “um antiabolicionista que via a libertação de escravos como potencialmente mais perigosa do que a escravidão em si“.
– Não é apenas do interesse dos Estados Unidos e absolutamente necessário para sua tranquilidade interna que se livre da instituição da escravidão, mas também, em consequência do preconceito de nosso povo contra a raça negra, se torna indispensável que o negro liberto seja exportado para fora de nossas fronteiras, pois conosco ele jamais poderá gozar de igualdade social ou política, afirmou Webb em carta ao secretário de Estado William Henry Seward.
Mais: “Libertar os negros do Sul e deixá-los onde se encontram será o início de um conflito que só poderá terminar com o extermínio de uma ou da outra raça. A raça negra é caracterizada por uma ignorância degradante e inferioridade mental, enquanto os escravocratas são honrados, patriotas e de mente elevada”.
A inesperada proposta binacional
Maio de 1862. O plano americano foi submetido ao governo brasileiro: constituir uma empresa binacional de colonização da Amazônia com negros americanos livres ou em que seriam libertados ao longo da Guerra Civil.
Qual a reação do Brasil? Com a palavra Dom Pedro II.
“O (marquês de) Abrantes apresentou três propostas do ministro americano, cujo fim é transvasar para o vale do Amazonas principalmente os negros que se libertassem nos Estados Unidos. O Abrantes ficou de tirar cópias de tão singulares propostas e de responder como convém ao Webb”, anotou dom Pedro II em seu diário, em junho daquele ano, já ciente do projeto de “deportação”.
Europeus, a bola da vez
Depois de marchas e contramarchas, o Brasil disse não ao projeto. “A elite política brasileira já estava focada na atração de imigrantes brancos europeus para o Brasil”.
“Enquanto o americano, nos EUA, propagandeava as vantagens de se ocupar o vale amazônico e as riquezas que seriam geradas pela livre navegação do rio, o Brasil começou a fazer esforços diplomáticos e políticos brutais para segurar o avanço norte-americano sobre a soberania do Império”, assinala, agora, Maria Helena Machado, professora da USP. “Logo, não deveria ter causado surpresa a Webb a negativa do governo brasileiro”.
Conclusão de um leitor em fevereiro de 2009 e, por supuesto, hoje:
– É… Viver é perigoso.
ENQUANTO ISSO…
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