Numa breve – e bastante rara – escapada até o boteco VIP (ou Top) que Beronha frequenta, na Vila Piroquinha, Natureza Morta foi abordado por um cidadão enquanto sorvia um chá (que levara de casa). Coisa rara, já que não é de “meter o focinho pra fora”, como garante nosso anti-herói de plantão.
O cidadão, delicadamente, quis saber:
– O senhor é o Rolmops?
– Não, Catchup – brincou Natureza.
Depois de perceber a brincadeira, o homem puxou conversa. E contou uma longa história, comprovando que até mesmo o boteco não minimiza a solidão do ser humano.
O caso do palpite a granel
Segundo relato do novo amigo do Natureza (“veja o senhor o que me aconteceu”…), ele estava na rua quando olhou para a placa de um carro. Achou estranho. O número chamou a sua atenção de maneira estranha, mas tratou de ir em frente. Antes, olhou para o número da casa diante da qual o carro estava estacionado.
– Incrível! Era o mesmo que estava na placa do automóvel.
Passo seguinte, meia quadra dali, fez uma compra.
O número da nota fiscal batia, era igual ao número do carro – e da casa, consequentemente.
Embora, segundo garantiu, não seja dado a jogar no bicho, decidiu fazer uma aposta.
– Mandei ver, fiz a aposta. Seco.
Como era uma quarta-feira, sabia que o jogo iria correr pela Loteria Federal. Sabia porque, um dia antes, ouvira alguém fazer tal comentário.
– Não sou dado ao jogo, reforçou o cidadão.
Para aumentar o suspense, o solitário da Vila Piroquinha pediu licença para ir ao “toalete”, como prefere dizer. Não era bem “toalete”, nem mesmo merecia ser chamado de “mictório”. Era algo bem pior, um horror, mas…
Na volta, provocou a conclusão do caso.
– E aí, quanto ganhou no bicho?
– Nada, nadinha. Não deu nada… Nem um número.
– Pois é, falso alarme. Acho que, definitivamente, não era o seu dia de sorte.
De volta à mansão da Vila Piroquinha, Natureza ficou matutando e lembrou de um filme de Henri-Georges Clouzot. “O Salário do Medo” (Le Salaire de la peur), de 1953.
É a história de Mario (Yves Montand) e outros três homens que aceitam uma tarefa de alto risco. Transportar – sem maiores medidas de segurança – um carregamento de nitroglicerina para explodir um poço de petróleo que era consumido por um incêndio. Em troca, ganhariam 2 mil dólares. A estrada era cheia de curvas e de buracos. Qualquer solavanco seria o fim.
O grupo consegue, após proezas e muita tensão, concluir o trabalho. A nitro acabaria com o fogo.
Na volta – o pior já tinha passado -, comemoram. De repente, o acidente com o caminhão. E a morte.
Certamente também não era o dia de sorte. Para eles.
ENQUANTO ISSO…