Sobre a paralisação do transporte coletivo em Curitiba e suas inevitáveis consequências, há que se lembrar que as coisas já foram bem piores. Basta ver a greve geral de 1917, quando a questão trabalhista era tratada a paulada (ou chibatada), como se fosse caso de polícia. Ou seja, com repressão de toda ordem. A propósito de paralisações, um livro resgata a memória – ou refresca a memória. A Greve Geral de 17 em Curitiba – Resgate da Memória Operária, de Ricardo Marcelo Fonseca e Maurício Galeb, com apresentação do advogado Cláudio Ribeiro.
O livro, de 1996, do Instituto Brasileiro de Relações de Trabalho (Ibert) -, resgata “a grande luta dos operários curitibanos no mês de julho de 1917”. E faz justiça “com aqueles operários que, apostando na dignidade humana, se insurgiram contra a exploração”.
Após a greve, cadeia
Somente em 1925 veio um decretou obrigando os estabelecimentos bancários, industriais e comerciais a conceder, anualmente, férias remuneradas de 15 dias a seus empregados. Em 1932, outro decreto limitou a jornada de trabalho na indústria em 8 horas diárias, com a ressalva de que o trabalho só poderia ser prorrogado para 12 horas “em casos extraordinários”.
A partir daí, do basicão, básico do básico, as greves passaram a ser principalmente por reajuste salarial. A maior delas ocorreu em 1932, em São Paulo: começou na oficina da Estrada de Ferro São Paulo Railway. Aderiram à paralisação os empregados das fábricas de calçados, padeiros, tecelões e operários têxteis. E alguns transeuntes, como no caso da Revolta do Forte de Copacabana. O movimento de 32 atingiu o interior, mobilizando, ou imobilizando, 200 mil pessoas. A greve durou um mês, com a vitória dos trabalhadores, mas, conforme o previsto, muitos deles foram despedidos e vários líderes acabaram na cadeia.
Curitiba sem jornais
É do jornalista e escritor Milton Ivan Heller o depoimento sobre a paralisação dos profissionais de imprensa – na verdade apenas parte deles – em Curitiba, em 1963. A íntegra está no site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (Sindijor-PR).
Milton Ivan com a palavra:
– Quem trabalhava em jornal era obrigado a andar engravatado. Salário compatível ao dos garis da Prefeitura, que pelo menos tinham uniformes, botas, capa de chuva e uma boa merenda. Não havia carro do jornal e o reportariado tinha que andar a pé para cumprir as suas tarefas. A Última Hora era exceção: pagava um pouco mais, tinha condução, grande circulação e um senso crítico que não existe mais. Foram os esquerdinhas da Última Hora que bolaram a greve daquele ano. Adherbal Fortes (de Sá Junior), que era uma das estrelas da UH, deu o mote: “Jornal paga mal” e isso foi rabiscado com tinta vermelha nas páginas de jornais com data vencida e espalhados pela cidade. Adesão total em Curitiba e só. Reivindicamos 37% de aumento salarial e conseguimos 17%. Foi pouco, mas foi uma vitória.
A cidade ficou sem os jornais. Saíram apenas umas duas edições do Jornal da Greve, feitas na redação e oficinas do Diário Popular, cedidas de boa vontade pelo seu proprietário Abdo Aref Kudri. E aí foi aquela pauleira e a conclamação para que todos ingressassem no Sindicato dos Jornalistas para lutar por condições dignas de trabalho.
Pelegos x agitadores
Final de janeiro ou início de fevereiro de 1964, prossegue Milton Ivan, “vitória acachapante da chapa dos ditos subversivos no Sindicato dos Jornalistas, com mais de 80% dos votos. Euforia, agora vamos, jornalista deve ser bem pago, etc. Veio o golpe em 31 de março e nos primeiros dias de abril o presidente eleito Milton Cavalcanti e toda diretoria e o conselho fiscal foram cassados, por ordem do general Adalberto Massa, recém nomeado delegado regional do Trabalho. A nova ordem era não mexer com os sindicatos apelegados, mas destituir e processar os agitadores”.
A luta (ou a guerra) continua.
ENQUANTO ISSO…