17 de setembro de 1970. Uma quinta-feira. Tempo em Curitiba – meteorológico e político – completamente nublado. Como previra o Jornal do Brasil, dois anos antes, quando da edição do AI-5, no dia 14 de dezembro, “temperatura sufocante, o ar está irrespirável”.
Reunião na sede da Polícia Federal, então instalada provisoriamente na Rua Carlos de Carvalho.
O encontro – um “convite” irrecusável, como era comum na época, partindo de onde partia – levou um pequeno grupo de jornalistas ao gabinete do general Alcindo Pereira Gonçalves. Nenhuma novidade. E resultou em um breve relatório, para uso interno das redações de jornal, TVs e emissoras de rádio. Nem todas, é verdade, mas as principais – que poderiam ultrapassar a linha da autocensura em pleno vigor. E vapor.
Documento para a história
O relatório, datilografado e com papel carbono, mantida a grafia da época e eventuais erros de português:
1) O general pediu a colaboração dos órgãos de imprensa “para o momento que estamos atravessando. Um ano político, com eleições à vista*. Citou alguns itens que devem ser observados na publicação diária de notícias. Por exemplo:
2) Não se publicar informações sobre órgãos estudantes cassados (sic) – UNE, UPE etc. Notícias de cunho político envolvendo nomes de pessoas cassadas e com direitos políticos suspensos, de acordo com vários atos do Poder Central.
3) Atos atentatórios ao patrimônio (terrorismo, bombas, assaltos a bancos etc) devem ser apenas assunto de registro pela imprensa.
Disse o general que, se possível, evitar a publicação, melhor.
4) Problemas religiosos. O general citou o caso de dom Helder e pediu observação na publicação de notícias com relação à pessoa daquele padre e outros.
5) O material internacional, principalmente aquêle sobre países vizinhos – Uruguai, Paraguai, Bolívia e mesmo o Chile (Política) deve ser examinado com cuidado, pois o governo central mantém relações diplomáticas e comerciais com os mesmos.
Lauda dois
Na segunda lauda do relatório, agora manuscrita, lê-se:
a) proibir. Tanto exploração negativa de moléstia** qto. veiculação de notícias otimistas exageradas.
b) autorizada a publicação de:
– boletins médicos
– visitas recebidas
– comentários positivos, na justa medida
– mensagens, telefonemas, cartas etc de conforto e apoio
– No… (ilegível)
Subversão
– dar ênfase à ação repressiva e à exploração positiva dos crimes cometidos
– informações do ministério
– falar as metas
Hora dos asteriscos
Fim do documento. Fim apenas da transcrição do documento, é claro. É que, para quem chegou agora, perdeu a memória ou não gosta de olhar para trás, Natureza Morta explica: décadas depois da tal reunião, teve acesso ao relatório. E acrescentou asteriscos ao texto, para melhor situar o leitor em alguns pontos:
* Eleições legislativas. A intenção era manter o monólogo quanto à situação política a caminho das eleições do dia 15 de novembro, quando a Arena faria 233 deputados e 40 senadores, contra 87 deputados e 6 senadores do MDB.
** A tal moléstia tinha nome: meningite meningocócica, cuja epidemia lotava hospitais em várias cidades e causou centenas de mortes – não noticiadas “para evitar pânico entre a população”. Ou seja, o objetivo era “extinguir” pelo silêncio a meningite do tipo mais perigoso. O Brasil vivia o período mais brabo da ditadura, o auge da repressão, da tortura e da censura. No comando do governo estava o general Emílio Garrastazu Médici. Os números sobre meningite no país naquele período são precaríssimos. Segundo registros disponíveis no Ministério da Saúde, em 1974 existiriam 19.396 casos; nenhum óbito catalogado. A realidade era bem outra. O Hospital Emílio Ribas – o único que tratava de meningite em São Paulo – tinha 300 leitos, mas havia 1.200 pacientes internados. Ocupavam corredores e macas em cima de pias. O jeito foi a admitir publicamente que havia epidemia de meningite, mas como ela não existia oficialmente até então, faltava tudo: medicamentos, roupas de cama e funcionários em quantidade suficiente.
– Já que 31 de março está chegando (no calendário, no calendário), fica a possível contribuição – encerrou o solitário da Vila Piroquinha.
ENQUANTO ISSO…
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