Edição deste mês. A Revista de História da Biblioteca Nacional aborda Canudos em seu alentado Dossiê. Temos Canudos – Guerra dos Brasis. Como sempre, uma publicação para ler e guardar.
Como se sabe, ou se deveria saber, não é de hoje o uso de imagens fotográficas como arma de guerra. Ou reforço de guerra. No caso de Canudos, 1897, em pleno sertão baiano, a verdade factual foi posta de lado para justificar o que Euclides da Cunha apontou, diretamente, como um crime.
Na banca de revistas e jornais, olho de lince, já na imagem da capa professor Afronsius percebeu que havia algo de errado na foto intitulada “Prisão de jagunços pela Cavalaria”, batida por Flávio de Barros. De fato. Horas depois, indo ao texto, confirmou o que suspeitava. O fotógrafo simulou a prisão de combatentes. E por aí vai. Ou foi.
Engajamento das elites
Na Carta do Editor, Rodrigo Elias classifica Canudos como “a nossa guerra-símbolo”: “Uma comunidade pobre lutando contra os poderes locais e as condições difíceis do sertão baiano, liderada por um religioso carismático, é massacrada pelas forças do governo após o engajamento quase unânime das elites políticas, das populações urbanas e da imprensa”. Da imprensa, claro.
Mais: “Para a ‘opinião pública’ nacional, urbana, branca e instruída, tratava-se de um bando de miseráveis e fanáticos, mestiços, negros e índios que não se enquadrava na ordem civilizada que se espalhava a partir do sudeste desenvolvido”.
Censura e manipulação
Quanto ao uso da fotografia, Cícero Antônio F. de Almeida, professor de museologia da UNIRIO, diretor executivo do Centro Cultural Justiça Federal e autor de Canudos: Imagens da Guerra, Lacerda & Editores, 1997, mata a cobra e mostra o pau:
– Após o fracasso da expedição do coronel Antônio Moreira César, cuja vitória havia sido cantada antes da hora, o Exército vivia um momento bastante delicado. (…) Ser abatido por homens “despreparados” representava uma derrota constrangedora para o Exército nacional.
– Temendo a imagem negativa, os comandantes militares determinaram um rigoroso sistema de censura. Foi nesse contexto de controle da informação e da necessidade de valorizar a intervenção militar, especialmente de seus principais comandantes, que trabalhou o fotógrafo expedicionário Flávio de Barros.
– Quando ocorria um fato extraordinário, imprevisto, cujo registro era importante para o comando militar, Barros era deslocado especificamente realizar seu trabalho, como por ocasião da localização do cadáver de Antônio Conselheiro.
Simulacros da guerra
Ainda do professor Cícero Antônio:
– As fotografias de Flávio de Barros, revestidas do caráter de representação fiel do real, tornaram-se simulacros da Guerra de Canudos, destinados à afirmação da superioridade e da organização do Exército, desfazendo a ideia de despreparo das tropas e atenuando os exageros cometidos contra combatentes e prisioneiros.
– Dentre as imagens mais reveladoras está a fotografia intitulada “Prisão de jagunços pela Cavalaria”. Nela, o fotógrafo simulou a prisão de combatentes, o que é claramente identificado pela expressão dos retratados, bem como pelo esquema estático da composição – um dos soldados está olhando diretamente para o fotógrafo.
– Euclides da Cunha, então correspondente de O Estado de São Paulo e principal cronista da guerra, em sua obra Os Sertões (1902), escreveu: Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5 (de outubro de 1897), ao entardecer, quando caíram seus últimos defensores.
ENQUANTO ISSO…
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