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Nós, os 30%

Deu na BBII – briosa, brava e indormida imprensa: estudo da Organização Mundial do Trabalho (OIT) mostrou que o Brasil é o país onde mais cidadãos exercem a função de trabalhador doméstico. São 7,2 milhões, a maioria mulheres. Depois temos a Índia – 4,2 milhões – e a Indonésia – 2,4 milhões. Dos 52 milhões de domésticos do mundo, 30% estão fora do guarda-chuva da legislação trabalhista. Desse total, quase a metade não tem direito a nenhum dia de descanso. – É o meu caso! – bradou o professor Afronsius, num lampejo de indignação. E, ato (ou cena) seguinte, desfiou algumas confissões de um auxiliar de cozinha.

Os problemas de prato, ou melhor, de fato

Tangido pela divisão social do trabalho em casa, o vizinho de cerca (viva) da mansão da Vila Piroquinha contou que lhe cabe, entre as tarefas domésticas, lavar a louça. Isso depois de arrumar a cama, por supuesto, e levar o Schnapps para passear.
Segundo ele, o problema não são os pratos, o volume de pratos para lavar, mas a altura da pia:
– Minha pobre, sofrida e dolorida coluna que o diga.
Diante do interesse de Natureza Morta e Beronha, prosseguiu:
– Tem Limpol pra isso e pra aquilo, limpa isso e aquilo, mas o produto realmente eficaz para remover determinadas cracas – ou, citando Shakespeare, as “nódoas infamantes” – continua sendo a velha e sofrida unha do dedão. Raspou, brilhou.

Ajuda do melhor amigo

Beronha, por sua vez, disse não ter esses problemas: pia baixa ou cracas estilo cola – cola tudo.
– Ponho os cachorros pra trabalhar.
Explicou que, para “adiantar” o serviço, coloca no fundo do quintal os pratos, talheres e panelas, para “alegria e satisfação” da cachorrada da vizinhança, que chega e “se banqueteia” com as sobras.
– Depois, é só passar um paninho e recolher.
Diante do espanto entremeado de esgares de asco e repugnância do professor Afronsius e Natureza, nosso anti-herói de plantão justificou:
– Ué, o cachorro não é o melhor amigo do homem? Amigo que é amigo nunca deixa os amigos na mão.
O problema, no entanto, como admitiu, é a escassez de mão de obra. Ou língua de obra.
– Como a onda pet e toda essa mordomia de hoje, a esnobação já levou o nosso melhor amigo, “menino ou menina”, a mirar a gente de cima para baixo. Com total desprezo.
Nesse ponto, professor Afronsius e o solitário da Vila Piroquinha até concordaram. Mas decidiram bater em retirada. À espera do professor ainda havia “louça” do churrasco de domingo passado, quando recepcionou a parentalha.
– Os malas voltaram da praia com uma fome danada.

ENQUANTO ISSO…


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