O acidente ocorrido dia 15, em São Paulo, considerado o maior da história na Rodovia dos Imigrantes, envolveu 104 veículos. A briosa, brava e indormida imprensa referiu-se à tragédia como engavetamento, repetidas vezes, o que levou Natureza Morta a retroceder no tempo. – Ah, as palavras… – deixou escapar. Para ele, não que seja um linguista ou aplicado estudioso do assunto, as palavras, intuitivamente, sempre foram consideradas seres vivos. Estão em permanente transformação, tanto que, antigamente, engavetamento era aplicável no caso de acidente de trem, quando um vagão entrava no outro. E poderia haver palavra/imagem melhor para descrever, num breve título de jornal, o que tinha ocorrido? Não se trata de uma palavra que deu baixa do vocabulário.
Caindo em desuso
A respeito de tais baixas, aliás, o solitário da Vila Piroquinha, há bom tempo atrás, deu início ao que imaginava que viria a ser um “pequeno dicionário de palavras em desuso”. Mera tentativa de preservação. Pacientemente, chegou a catalogar algumas delas, como batuta (não o instrumento de trabalho do maestro, mas no sentido de um sujeito bacana, legal), fidusca, ortoepia, entrementes, entre outras. Nenhuma pretensão de sua parte, é claro. Coisa de amador, mero exercício de um curioso colecionador de palavras, nada além disso. Coincidentemente, ao ler a (sempre excelente) revista Pesquisa, da Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo -, topou com um texto cujo título o fisgou imediatamente: “A vida das palavras”.
Ascensão e queda
Assinada por Igor Zolnerkevic (edição de julho passado), a matéria informa que físicos e linguista examinam a evolução do vocabulário de comunidades. Eles admitem que ninguém sabe quantas palavras nascem a cada momento, mas têm certeza de que “a imensa maioria delas é raramente usada, geralmente esquecida”. É que existem muito mais palavras do que um único ser humano conseguiria aprender ao longo da vida. Para dar uma ideia, a revista conta que o serviço de busca Google registrou 13 milhões de palavras distintas em língua inglesa usadas pelo menos 200 vezes em páginas na internet até 2006, “enquanto pesquisadores estimam que o tamanho do vocabulário de um adulto com bom nível educacional não ultrapassava 100 mil palavras”. Cem mil palavras? O comentário de Beronha limitou-se a uma: pombas…
A chance de cada uma
Ficamos sabendo, também, que um outro estudo, publicado em maio na revista PLos One, ajuda a entender melhor como o vocabulário de uma comunidade evolui com o tempo. “As chances de uma palavra, velha ou nova, permanecer em uso no futuro não dependem tanto da frequência com que ela é usada atualmente, mas sim da variedade de assuntos em que é empregada e, mais importante ainda, do número de pessoas que a utilizam”. O físico brasileiro Eduardo Altmann, um dos autores do estudo, diz que, para manter a variedade de palavras em uso em uma comunidade, “é melhor muita gente falar pouco do que pouca gente falar muito”. Outro comentário do nosso anti-herói: – Vai ser difícil conseguir tal equilíbrio…
A sobrevivência
Para os pesquisadores, a situação das palavras lembra muito a dos seres vivos lutando por sua sobrevivência. “Para sobreviver, a palavra precisa se reproduzir, o que acontece a partir do momento em que alguém lê a palavra em algum lugar e a memoriza para usar no futuro”. Ela pode ser pensada como sendo o nicho – capacidade de interação – da espécie no ambiente. Assim, “quanto mais estreito o nicho de uma espécie, mais risco ela corre de extinção”, acentua Altmann. Finalizando, Pesquisa traz a opinião de Maria Helena Neves, linguista da Universidade Estadual Paulista e da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que classifica de interessantes os estudos quantitativos sobre conversações online, mas “suspeita de que seus resultados não possam ser generalizados para a dinâmica da língua falada”. A linguista desconfia sempre de generalizações: “Em linguagem não há receita pronta para nada, senão não existiriam a literatura e a poesia”. – Vivendo e aprendendo – pensou Natureza, que foi dormir satisfeito, mas, antes, deixou o recado: vale a pena ir ao texto integral de Igor, na versão online da revista Pesquisa.
ENQUANTO ISSO…