Meia-noite. Uma rua deserta e escura num bairro igualmente às escuras. Imagine um fundo musical sinistro, a seu gosto. Um homem, faca na mão… passa manteiga no pão.
– É, as aparências enganam – disse o professor Afronsius no dedo de prosa com Natureza Morta, começando a contar sua “súbita e sinistra fama” na Vila Piroquinha.
– Culpa do Schnapps.
– Bebida?
– Não, meu cachorro de estimação.
Vamos por partes
O relato do vizinho de cerca (viva) da mansão da Vila Piroquinha reconstituiu, então, o drama que o levou a uma breve (espera ele) notoriedade no bairro. Schnapps, seu cãozinho, resolveu dar uma de explorador de caverna, quem sabe a procura de estalactites e estalagmites.
– É ouro? Pedras preciosas? – intrometeu-se Beronha.
– Não. Estalactite é um precipitado mineral alongado, que se forma no teto das cavernas. Estalagmite, por sua vez, forma-se no solo pelo efeito dos respingos que caem do teto.
Isto posto, o professor Afronsius passou para o pesadelo. Schnapps, não se sabe como, penetrou no armário da cozinha, onde o fogão e a geladeira estão embutidos. Entrou, mas não conseguia sair. Acabou prisioneiro atrás do fogão, perdido no labirinto de fórmica. Sem luz no fim do túnel.
– Aí, começou a latir feito um desesperado.
Pedidos de socorro
Não foram poucas as tentativas para livrar o cachorro do beco sem saída.
– Nem o pessoal do canil… ops!, desculpem, nem o pessoal do pet conseguiu atrair o bicho para fora. A turma garantia que, do mesmo modo que Schnapps entrou, iria sair, quando sentisse fome e sede. Nada feito. O tal do estresse, ou, instinto animal não funcionou. Horas mais tarde – e os latidos infernizando principalmente a vizinhança -, pensei até em chamar os bombeiros. Desisti. Eles têm coisas mais importantes para fazer.
O jeito, ainda segundo o professor Afronsius, era jogar pesado. Vai daí que procurou ajuda no estacionamento onde deixa seu Opalão. Lá houve uma reforma recentemente.
– Na falta de uma marreta, tomei emprestado um serrote, disposto a furar ou mesmo colocar abaixo a estrutura de fórmica.
– E deu certo?
– Como dizem vocês, hoje em dia, beleza! Consegui libertar Schnapps. Que saiu abanando o rabo. Até parecia hélice de helicóptero. Missão cumprida, tratei de devolver o serrote para dona Isabel e seu marido. A quem agradeci de coração.
Ao voltar à rua, o professor Afronsius já era “o” assunto no bairro. É que, quando chegou em casa, empunhando um serrote e visivelmente irritado, cara de um sujeito de maus bofes, começaram a pipocar os mais variados comentários: temiam pela sorte de sua família.
– Houve quem dissesse até que eu ia sair na capa da Tribuna segunda-feira, em manchete… Jack, o estripador, volta a atacar. Tudo por imprudência do Schnapps.
Mas, como cachorro é intocável…
ENQUANTO ISSO…
