Paga ou morre. No caso, Cr$ 5.000,00. Foi diante dessa ameaça que se viu um comerciante de Curitiba, em 1975. Jodat Nicolas Kury, 56 anos. Não foi um episódio isolado. Com a repressão comendo solta pelo Brasil, havia amplo espaço para extorsão, como comprovou “Brasil: Nunca Mais”, 1985, Arquidiocese de São Paulo, Editora Vozes, com prefácio do cardeal arcebispo Paulo Evaristo Arns.
Para fugir da desconfiança “daqueles que alegam ser depoimentos tendenciosos, por partirem de vítimas que, na sua maioria, teriam motivações políticas”, o levantamento de “Brasil: Nunca Mais” conseguiu superar esse dilema “estudando a repressão exercida pelo regime militar a partir de documentos produzidos pelas próprias autoridades encarregadas dessa tão controvertida tarefa”.
Vigília contra a tortura
Por “inúmeros caminhos”, foram reunidas cópias “da quase totalidade dos processos políticos que transitaram pela Justiça Militar brasileira entre abril de 1964 e março de 1979, especialmente aqueles que atingiram a esfera do Superior Tribunal Militar (STM)”.
E, como assinalou o arcebispo Paulo Evaristo Arns, após anos e anos de “vigília contra a tortura”, o que mais o impressionou foi “como se degradam os torturadores mesmos”. Quem repete a tortura se bestializa, já tinha lhe dito um general.
Consta dos autos
Página 82 de BNM: “Já o comerciante Jodat Nicolas Kury, preso em Curitiba em 1975, narra, em carta anexada aos autos, a tentativa de extorsão que sofrera na sala de torturas:
(…) ele respondeu que a minha vida estava nas suas mãos e que, mediante o pagamento de Cr$ 5.000,00 – cinco mil cruzeiros – ele me salvaria. Respondi-lhe dizendo que, mesmo se quisesse concordar com ele, eu não teria nenhuma possibilidade de assim proceder. Mas ele logo respondeu dizendo que as chaves da minha casa e as chaves do nosso estabelecimento comercial, inclusive a chave do cofre, estavam na carceragem e que ele pode retirá-la de lá e se dirigir à noite para o estabelecimento, a fim de apanhar o dinheiro e um talão de cheques (…) 17*
17*. BNM número 551, V. 9º, p.2406 a 2429.
Resgatando a memória
Nome de praça em Curitiba, no bairro Campina do Siqueira, Jodat Nicolas Kury é um dos autores de “7 de Amor e Violência”, ao lado de Walmor Marcelino, Oscar Milton Volpini, Sylvio Back, Valêncio Xavier, Nelson Padrella e Elias Farah. De 1966, o livro, com apresentação de Hélio Pólvora, é apontado como “a primeira atitude cultural do país a se opor ao golpe de 64”. Com o aumento da repressão, a segunda edição foi confiscada na gráfica.
No ano passado, no 21º Festival de Teatro de Curitiba, “Memórias Torturadas – A Ditadura e o Cárcere no Paraná”, mostrou parte do drama vivido por presos políticos no Presídio do Ahú.
O próprio presídio, já desativado, foi o cenário para a peça de Gehad Hajar, com direção do próprio Hajar e de Carlos Vilas Boas.
Uma das histórias é de Jodat Nicolas Kury. Pela violência sofrida, não diferente das outras.
ENQUANTO ISSO…
Milei completa um ano de governo com ajuste radical nas contas públicas e popularidade em alta
Lula cancela agenda após emergência médica em semana decisiva no Congresso
Congresso prepara uma nova fatura para você pagar – e o governo mal se move
Prêmio à tirania: quando Lula condecorou o “carniceiro” Bashar al-Assad