Para muitos, nosso rei perdeu o trono. Três vezes eleito o melhor do mundo, Messi superou o recorde de Pelé. Assunto até de matéria de capa de revistas, o tema mexeu – e mexe – com torcedores. Há quem conteste, sem minimizar as qualidades do argentino, maestro do Barcelona. Para o professor Afronsius, no entanto, certas comparações trazem em seu bojo o ranço da injustiça. Para ambos os lados.
Muhammad Ali ou Joe Louis?
No dedo de prosa com Natureza Morta e Beronha, justificou sua opinião: – Pelé e Messi são de épocas circunstâncias diferentes, com outro tipo de visão, treinamento e até mudanças nas regras de disputa. Basta lembrar Mané Garrincha com a bola, parado, enquanto se formava diante dele uma fila de adversários, que seriam driblados um atrás do outro. Pois é. Naquele tempo era possível. Imagine hoje, com a marcação férrea e maciça… A turma toda cairia em cima de uma só vez. Coitado do Mané. – Pau puro, e antes dele recuperar o fôlego – completou o solitário da Vila Piroquinha. Seria tão injusto, como no boxe, hoje, querer comparar Muhammad Ali com Joe Louis, Rocky Marciano ou Archie Moore…
Pitada de psicologia em campo
De qualquer modo, na questão (questão?) Messi x Pelé, Natureza sugeriu, como voto de “desempate”: a leitura de uma avaliação feita em 1963 e publicada no livro “Futebol e Psicologia”, de Mira y Lopez e Athayde Ribeiro da Silva. Está lá, da página 42 à 45. O psicólogo Athayde Ribeiro da Silva depõe sobre a sua experiência com a Seleção Brasileira (1962-1963). Segundo psicólogo a trabalhar com a Seleção, ele foi autor do primeiro livro de psicologia do esporte do Brasil.
O que vem a ser um gênio?
Lembrando que “alguém disse que o gênio é a consciência do século”, o psicólogo afirma que “Pelé é a suma, a conclusão de 50 anos de futebol brasileiro. Quem sabe se de meio em meio século se produzirá outro? Mas é, sobretudo, um produto pessoal. Os artistas geniais se explicam?”. Sobre aptidões: “Poderíamos dizer que Pelé as tem em excesso, todas elas, não se sabendo qual a mais impressionante. Seria a agilidade motriz? O domínio da bola? Ou, numa síntese, seria o conjunto, a harmonia de nervos e músculos, criando nele algo inconfundível e indefinível: o estilo?”.
Possível chave para entender
Sugere Athayde Ribeiro que, “nos aspectos de personalidade, talvez encontremos a chave para entender e explicar a perseverante genialidade de Edson Arantes do Nascimento”. Infância dura, humilde, conturbada pelo insucesso do pai, “a seus olhos heroico e valoroso, mas injustiçado pela falta de reconhecimento, e sobretudo pela água no joelho”.
– Hein? Água no joelho? – interrompeu Beronha.
– Lesões de cartilagem ou no menisco, afetando a articulação do joelho – explicou Natureza.
Busca contínua da perfeição
Voltando ao livro: daí Pelé, “desde a infância um obsessivo, um superexigente consigo mesmo, em busca permanente da perfeição; parece haver nele a ideia de uma missão, um predestinado. Daí os nervos de aço, sensíveis, mas resistentes, nas horas mais dramáticas”.
A “intoxicação da glória”
Encerrando o assunto, o solitário da Vila Piroquinha, na derradeira comparação, ou provocação, comentou que Lionel Messi é baixo (1,69 metro) e franzino (67 quilos), enquanto Pelé, em 1970, pesava 70 quilos, bem distribuídos em 1,72 metro. Mas, como Pelé, certamente enfrentou uma série de desafios até chegar ao profissionalismo, deixar a Argentina e conquistar o mundo. Num ponto, pelo menos, algo importantíssimo aproxima os dois: tiveram e têm “uma estrutura bem armada que resistiu à intoxicação da glória”, para usar mais uma frase do psicólogo Athayde Ribeiro, no seu dossiê Pelé. E, premonitoriamente, um conselho a muitos outros craques que o sucederam. Aqui e em outros países.
ENQUANTO ISSO…